Pesquisar este blog

terça-feira, 24 de setembro de 2013

Estamos preparados para os riscos do pré-sal e do gás de xisto? 

Por Washington Novaes


pré-sal
Ilustração no blogue Diário do Pré-sal

[O Estado de S.Paulo] Anuncia-se que em novembro vão a leilão áreas brasileiras onde se pretende explorar o gás de xisto, da mesma forma que estão sendo leiloadas áreas do pré-sal para exploração de petróleo no mar. Deveríamos ser prudentes nas duas direções. No pré-sal, não se conhecem suficientemente possíveis consequências de exploração em áreas profundas. No caso do xisto, em vários países já há proibições de exploração ou restrições, por causa das consequências, na sua volta à superfície, da água e de insumos químicos injetados no solo para “fraturar” as camadas de rocha onde se encontra o gás a ser liberado. Mas as razões financeiras, em ambos os casos, são muito fortes e estão prevalecendo em vários lugares, principalmente nos Estados Unidos.
No Brasil, onde a tecnologia para o fraturamento de rochas ainda vai começar a ser utilizada, há um questionamento forte da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e da Academia Brasileira de Ciências, que, em carta à presidente da República (5/8), manifestaram sua preocupação com esse leilão para campos de gás em bacias sedimentares. Nestas, diz a carta, agências dos EUA divulgaram que o Brasil teria reservas de 7,35 trilhões de metros cúbicos em bacias no Paraná, no Parnaíba, no Solimões, no Amazonas, no Recôncavo Baiano e no São Francisco. A Agência Nacional de Petróleo (ANP) estima que as reservas podem ser o dobro disso. Mas, segundo a SBPC e a ANP, falta “conhecimento das características petrográficas, estruturais e geomecânicas” consideradas nesses cálculos, que poderão influir “decisivamente na economicidade de sua exploração”.
E ainda seria preciso considerar os altos volumes de água no processo de fratura de rochas para liberar gás, “que retornam à superfície poluídos por hidrocarbonetos e por outros compostos”, além de metais presentes nas rochas e “dos próprios aditivos químicos utilizados, que exigem caríssimas técnicas de purificação e de descarte dos resíduos finais”. A água utilizada precisaria ser confrontada “com outros usos considerados preferenciais”, como o abastecimento humano. E lembrar ainda que parte das reservas está “logo abaixo do Aquífero Guarani”; a exploração deveria “ser avaliada com muita cautela, já que há um potencial risco de contaminação das águas deste aquífero”.
Diante disso, não deveria haver licitações imediatas, “excluindo a comunidade científica e os próprios órgãos reguladores do país da possibilidade de acesso e discussão das informações”, que “poderão ser obtidas por meio de estudos realizados diretamente pelas universidades e institutos de pesquisa”. Além do maior conhecimento científico das jazidas, os estudos poderão mostrar “consequências ambientais dessa atividade, que poderão superar amplamente seus eventuais ganhos sociais”. É uma argumentação forte, que, em reunião da SBPC no Recife (22 a 27/7), levou a um pedido de que seja sustada a licitação de novembro.
Em muitos outros lugares a polêmica está acesa – como comenta o professor Luiz Fernando Scheibe, da USP, doutor em Mineração e Petrologia (12/9). Como na Grã-Bretanha, onde se argumenta que a tecnologia de fratura, entre muitos outros problemas, pode contribuir até para terremotos. A liberação de metano no processo também pode ser altamente problemática, já que tem efeitos danosos equivalentes a mais de 20 vezes os do dióxido de carbono, embora permaneça menos tempo na atmosfera. E com isso anularia as vantagens do gás de xisto para substituir o uso de carvão mineral. O próprio Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) tem argumentado que o gás de xisto pode, na verdade, aumentar as emissões de poluentes que contribuem para mudanças do clima.
Na França os protestos têm sido muitos (Le Monde, 16/7) e levado o país a restrições fortes, assim como na Bulgária. Alguns Estados norte-americanos proibiram a tecnologia em seus territórios, mas o governo dos EUA a tem aprovado, principalmente porque o gás de xisto não só é mais barato que o carvão, como reduziu substancialmente as importações de combustíveis fósseis do país, até lhe permitindo exportar carvão excedente. E a Agência Internacional de Energia está prevendo que até 2035 haverá exploração do gás de xisto em mais de 1 milhão de pontos no mundo. Nos EUA, este ano, a produção de gás de xisto estará em cerca de 250 bilhões de metros cúbicos – facilitada pela decisão governamental de liberar a Agência de Proteção Ambiental de examinar possíveis riscos no processo e pela existência de extensa rede de gasodutos (o Brasil só os tem na região leste; gás consumido aqui vem da Bolívia).
Também a China seria potencial usuária do gás, pois 70% de sua energia vem de 3 bilhões de toneladas anuais de carvão (quase 50% do consumo no mundo).Embora tenha 30 trilhões de metros cúbicos de gás de xisto – mais que os EUA -, o problema é que as jazidas se situam em região de montanhas, muito distante dos centros de consumo – o que implicaria um aumento de 50% no custo para o usuário, comparado com o carvão. Por isso mesmo, a China deverá aumentar o consumo do carvão nas próximas décadas (Michael Brooks na New Scientist, 10/8).
E assim vamos, em mais uma questão que sintetiza o dilema algumas vezes já comentado neste espaço: lógica financeira versus lógica “ambiental”, da sobrevivência. Com governos, empresas, pessoas diante da opção de renunciar a certas tecnologias e ao uso de certos bens – por causa dos problemas de poluição, clima, consumo insustentável de recursos, etc. -, ou usá-los por causa das vantagens financeiras imediatas, que podem ser muito fortes.
Cada vez mais, será esse o centro das discussões mais fortes em toda parte, inclusive no Brasil – com repercussões amplas nos campos político e social. Preparemo-nos.
*Washington Novaes é jornalista. E-mail: wlrnovaes@uol.com.br
Artigo originalmente publicado em O Estado de S.Paulo.

segunda-feira, 2 de setembro de 2013

Tudo por dinheiro, artigo de Heitor Scalambrini Costa




radiação

[EcoDebate] Em recente visita a microrregião de Itaparica, aos municípios de Floresta, Belém do São Francisco, Petrolândia e Itacuruba, pude constatar, a completa falta de informação das respectivas populações sobre a provável instalação de uma usina nuclear na região.
A visita, que contou com o apoio da Diocese de Floresta através do Movimento Cultura de Paz, teve o objetivo de levar informações sobre a energia nuclear, a radioatividade, os efeitos da radiação, o que é uma usina nuclear e como funciona, os riscos de acidentes e a situação desta fonte energética no mundo e no Brasil. Além de haver uma discussão sobre outras fontes de energia, em particular aquelas encontradas na natureza, que poderiam atender a demandas energética destas populações.
Foram realizadas Rodas de Dialogo nos quatro municípios com a presença de educadores, religiosos, políticos, representantes da sociedade civil organizada, movimentos de jovens, representantes de grupos quilombolas e indígenas. Amplo material de divulgação foi distribuído aos participantes, desde cartilha explicativa, cordéis, e-books com artigos sobre a questão nuclear e panfletos.
Como resultado das Rodas de Dialogo foram definidos em cada cidade, ações que serão desenvolvidas no intuito de mais e mais pessoas se incorporarem ao debate sobre a instalação da usina nuclear. Assunto de grande importância para o destino dos moradores das cidades e do campo daquele território.
O trabalho planejado durante estes reuniões se dará essencialmente na divulgação pelas redes sociais, em ações nas escolas estimuladas pelos educador@s, na distribuição de material informativo aos membros das associações de moradores, associações de pescadores, comerciantes, nas aldeias indígenas e nas comunidades quilombolas. O que se espera de toda esta movimentação é que as populações se envolvam neste debate, e como resultado, formem opinião sobre a decisão unilateral tomada de se instalar a usina nuclear. Espera-se que sejam ouvidos, e tomem em suas mãos a responsabilidade de aceitarem ou não esta instalação industrial para produzir energia elétrica. O que não se pode mais aceitar e nem admitir são que decisões sejam tomadas à revelia, sem a participação dos principais interessados.
Por outro lado nestas reuniões, o que era esperado aconteceu. Mesmo convidado à classe política não esteve presente, e quando alguns de seus membros compareceram, foi de maneira não participativa nos debates. O que se percebe nesta atitude é que fogem da discussão pública. Evitam se comprometerem, e nem emitem suas opiniões publicamente. Todavia, à surdina, conspiram para a vinda da usina nuclear para a região, apoiando interesses pessoais em detrimento do interesse público, da coletividade, das comunidades.
Também nesta viagem, tornou mais claro o interesse econômico envolvido com a construção da usina nuclear no município de Itacuruba. A área pré-selecionada a beira do rio São Francisco possui diversos proprietários em todo seu entorno. A maior propriedade em extensão pertence a parentes do ex-prefeito de Itacuruba,. Estivemos com um dos outros proprietários de terras na região (possui uma gleba de 130 ha), que nos informou já ter sido procurado pelo ex-prefeito interessado em comprar suas terras, como também de outros proprietários que teriam sido procurados para este fim.
Verifica-se nesta movimentação o interesse de tornar-se o único proprietário das terras, e assim poderem ser negociadas, e muito bem indenizadas pelo governo federal, caso a usina nuclear seja implantada na região. Também para valorizá-las, o ex-prefeito na sua gestão, obteve recursos do Ministério da Integração Nacional/Codevasf para a implantação e pavimentação de uma rodovia vicinal até estas terras, chegando bem próximo a fazenda Jatinã (local pré selecionado para a implantação da usina nuclear). Esta rodovia, um trecho da PE 422, atravessa terras da aldeia Pankará e comunidades quilombolas, Por exigência da comunidade indígena, licenças para esta rodovia nunca foram apresentadas, e as obras foram paradas. Os recursos públicos destinados para esta rodovia foram de R$ 13.488.205,55.
O discurso proferido por este político na defesa intransigente da usina nuclear, caminha no sentido que a usina trará impactos econômicos importantes para a região, e como consequência, o desenvolvimento e o progresso tão almejado pelos habitantes. Este discurso, recorrente, já que utilizou os mesmos argumentos quando prometeu e não cumpriu o Observatório de Itacuruba (http://www.debatesculturais.com.br/observatorio-de-itacuruba-uma-obra-inacabada/ ), aponta na geração de emprego e renda para a população. Todavia, esconde de fato o mero interesse pessoal, em detrimento ao da coletividade, que sofrerá os impactos e o estigma que esta construção trará aos moradores do seu entorno.
Em verdade, o que tem movido a defesa desta obra na região, por alguns que exerce grande influencia junto às populações pelo fato ocuparem (ou já ocuparam) cargos públicos na política local, são os benefícios financeiros que receberão com a implantação desta obra.
Esta situação se verifica quando defensores do modelo predatório de desenvolvimento em curso no Estado, com obras como da instalação de uma indústria de petróleo e gás, termoelétricas a combustíveis fósseis, construção de estaleiros, de indústrias altamente poluentes no Complexo de Suape; locupletam-se financeiramente. Afinal é tudo por dinheiro.
Heitor Scalambrini Costa, Articulista do Portal EcoDebate, é Professor da Universidade Federal de Pernambuco