a3 300x152 A desregulamentação ambiental no BrasilO Brasil protagonizou, nos anos 80, importante liderança mundial na formulação de políticas ambientais. Detentor de grandes reservas de água doce, das maiores florestas tropicais do mundo e de uma diversidade biológica sem igual, o país foi importante indutor de políticas definidas pelas Nações Unidas para a regulamentação do uso e da proteção do meio ambiente.
Destaque-se a aprovação dos instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente, como o licenciamento ambiental, através da Lei Nº 6.938/81. Cinco anos depois, com a aprovação da Resolução CONAMA Nº 01/86, avançou na exigência do EIA/RIMA para atividades potencialmente causadoras de degradação ambiental. E, em 1988, a nova Constituição Federal consagrou os princípios da sustentabilidade, garantindo a todos um meio ambiente ecologicamente equilibrado.
A partir daí, foram muitos os avanços, com leis que instituíram as políticas nacionais de educação ambiental, recursos hídricos, unidades de conservação, biodiversidade, resíduos sólidos e outras. Com o recrudescimento do desmatamento da Amazônia, em 1996, aumentou-se a proteção às florestas estabelecida pelo Código Florestal. E, em 1998, foi aprovada a Lei de Crimes Ambientais, que ampliou a tipificação de condutas consideradas ilícitas, assim como elevou para R$ 50 milhões o limite das multas aplicadas pelos órgãos ambientais. Referida Lei estabeleceu também uma grande inovação, que foi a responsabilidade penal das pessoas jurídicas por ações lesivas ao meio ambiente.
Esse conjunto de medidas legislativas, somado às iniciativas de estruturação de órgãos ambientais, foi fundamental internamente. Mas também serviu para mostrar ao mundo que o Brasil é capaz de administrar o seu patrimônio natural. E o país cresceu economicamente, ao contrário dos que insistem em afirmar que a proteção ambiental engessa a economia. Porém, nos últimos anos o Brasil vem caminhando na direção da desregulamentação ambiental. E as conquistas que davam o rumo de uma economia social e ambientalmente sustentável, invertem-se na contramão da história.
Em 2005, depois de regularizar por três anos através de Medida Provisória as safras ilícitas de soja transgênica, Lei federal dispensou do licenciamento a produção dos organismos geneticamente modificados (OGMs). Recentemente, o Código Florestal foi desfigurado pelo Congresso Nacional – que agora discute a liberação de exploração mineral nos Parques Nacionais e Reservas Indígenas. E pela primeira vez foram excluídas áreas de Unidades de Conservação por Medida Provisória, para abrigar lagos de usinas hidrelétricas, assentamentos e outras atividades lesivas ao meio ambiente.
No Estado do Rio, o governo e o parlamento extinguiram a exigência de EIA/RIMA para a exploração mineral, deixando para o órgão ambiental decidir quando ele poderá ser cobrado. E no Município do Rio, parques e outras áreas protegidas estão perdendo seus territórios para abrigar resorts, campos de golfe e outras obras olímpicas.
A desregulamentação ambiental é um arriscado atalho para a aceleração do crescimento, que se tornou uma obsessão nacional. Mas esse caminho não tem sido uma opção apenas de governos e parlamentos. Ela espelha, acima de tudo, um comportamento apático e inerte da sociedade brasileira que parece estar entorpecida com as benesses imediatas do capital, independente do que isso possa representar para as futuras gerações.
Os principais casos de Desregulamentação Ambiental dos últimos anos
1- Diminuição da atuação do IBAMA – 2003
Desde o início do Governo Lula, o IBAMA já perdeu inúmeras de suas funções. Primeiro, com a criação da Secretaria Especial de Aquicultura e Pesca, em 2003, transformada recentemente em Ministério. Na sequência, em 2007, perdeu para o Instituto Chico Mendes (ICMBio) a gestão da biodiversidade e das Unidades de Conservação federais. No ano seguinte, perdeu o fomento florestal para o Serviço Florestal Brasileiro (SFB). Foram repassadas aos Estados as políticas de gestão de fauna, o controle das reservas legais florestais e a fiscalização ambiental, especialmente após a edição da Lei Complementar Nº 140/11 que trata das formas de cooperação para o cumprimento das competências ambientais definidas pela Constituição de 88.
2 – Organismos Geneticamente Modificados (OGMs) são dispensados de Licenciamento Ambiental – 2005
A partir da Lei Nº 6.938/81, que instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente, passou a ser obrigatório o licenciamento ambiental para todo empreendimento ou atividade utilizador de recursos ambientais, considerado efetiva ou potencialmente poluidor. Portanto, toda atividade humana modificadora das condições ambientais locais, regionais e/ou nacionais passou a contar com essa etapa na sua implementação. A utilização da modificação genética na agricultura brasileira teve como marco inicial a soja transgênica, que era contrabandeada da Argentina para os estados do Sul do Brasil nos idos da virada do Milênio. Inicialmente, a produção era completamente clandestina. Mas a partir de Janeiro de 2003, como um de seus primeiros atos, o Presidente Lula passou a regularizar as safras clandestinas de transgênicos por Medida Provisória, até que foi aprovada a Lei Nº 11.105/05 – que instituiu a Política Nacional de Biossegurança. Nesta Lei, pela primeira vez foi aberta uma exceção para a obrigatoriedade do licenciamento ambiental – que somente será exigido quando a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) assim decidir.
Desde sua criação pela lei de 2005, a CTNBio nunca decidiu exigir licenciamento ambiental para a pesquisa e produção de alimentos geneticamente modificados no Brasil. Isso mesmo, nem uma única vez. Foram aprovadas as alterações genéticas para a soja, o milho, o algodão e o feijão, apesar dos votos contrários da ANVISA e do IBAMA. Segundo a Gazeta do Povo (10/1/13), a “Expedição Safra” constatou que em 2012 a produção de soja fechou o ano com 89% de sua produção geneticamente modificada, enquanto esse percentual em relação ao milho chegou a 85% das áreas plantadas no Brasil.
3 – Cavernas perdem proteção – 2008
A Constituição Federal de 1988 estabeleceu que as cavidades naturais subterrâneas e sítios arqueológicos e pré-históricos são bens da União. Com essa medida, o legislador constituinte estabeleceu regra que concentrou o domínio dessas áreas à União, com vistas à concentração da proteção espeleológica. Na sequência, foi editado o Decreto Nº 99556/90 que dispõe sobre as cavidades subterrâneas existentes no território nacional. Em seu texto, o Decreto estabelecia que a utilização de cavernas e suas áreas de entorno se dariam “somente dentro de condições que assegurem sua integridade física e a manutenção do respectivo equilíbrio ecológico”. Além disso, estabelecia que qualquer tipo de atividade que pudesse oferecer risco direto ou indireto às cavidades naturais dependeria de prévio Estudo de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) e licenciamento pelo órgão ambiental.
Em 2008, atendendo ao apelo de mineradores, foi editado o Dec. Nº 6.640/08, que flexibilizou a norma protetora. Esse Decreto estabeleceu quatro categorias de importância para a conservação das cavernas, determinando expressamente que “a cavidade natural subterrânea classificada com grau de relevância alto, médio ou baixo poderá ser objeto de impactos negativos irreversíveis” (Art. 4º de Decreto citado). Ou seja, três das quatro categorias podem ser eliminadas. Além disso, não se exige mais EIA/RIMA para os empreendimentos, nem mesmo quando tiverem potencial de significativo impacto sobre cavernas com grau de relevância máxima.
4 – Diminuição de Áreas Protegidas por Medida Provisória – 2011
A Constituição Federal de 1988 estabeleceu que a diminuição das áreas protegidas só poderia ser feita por Lei, no seu sentido formal. Isto é, a criação poderia – como de fato o é na sua maioria – ser feita por Decreto ou por Lei, mas a desafetação ou diminuição dos limites de uma Unidade de Conservação só poderá se dar por Lei. Porém, a regra não durou muito. Nos primeiros meses de seu governo, a Presidenta Dilma inovou e decidiu editar a Medida Provisória 542/11 que diminuiu as áreas de três Parques Nacionais na Amazônia para a implantação de empreendimentos, dentre eles os lagos das usinas de Santo Antônio e Jirau, no Rio Madeira. Nunca antes, desde a Constituição de 88, nenhum Presidente utilizou de tal artifício.
Como não foi acolhida, nem ao menos votada no prazo pelo Congresso, a MP perdeu a vigência em Dezembro de 2011. Em Janeiro de 2012, então, foi editada a MP Nº 558 que, além dos citados Parques Nacionais, ainda incluiu outras quatro Unidades de Conservação (três FLONAs e uma APA), somando mais de 86 mil hectares de redução, segundo o Instituto Socioambiental (ISA). Convertida na Lei Nº 12.678/12, a iniciativa inaugurou perigoso precedente que, na opinião de importantes juristas, contraria o mandamento constitucional que assegura proteção às Unidades de Conservação.
5 – Diminuição da Proteção das Florestas – 2012
Desde sua primeira edição, em 1934, o Código Florestal brasileiro já estabelecia a regra de preservação de uma fração de 25% das florestas localizadas nas propriedades rurais. Batizada de Reserva Legal Florestal pelo Novo Código Florestal – instituído pela Lei Nº 4.771/65, essa fração foi sofrendo adequações de acordo com os biomas brasileiros. Em razão do aumento desenfreado dos índices de desmatamento da Amazônia nos idos da década de 90, foi editada Medida Provisória em 1996 que estabeleceu Reserva Legal na proporção de 80% nas propriedades rurais da Amazônia, de 35% no Cerrado da Amazônia e de 20% no restante do país.
Com a expansão das atividades agrícolas e da pecuária no Brasil, o setor ruralista articulou a derrubada de regras de proteção das florestas. O relator do Projeto de Lei que revogou a Lei de 1965, Deputado Aldo Rebelo, foi líder do Governo na Câmara e atualmente é Ministro da Presidenta Dilma. A Lei Nº 12.651/12 revogou o Código Florestal de 1965 e flexibilizou as Reservas Legais Florestais, criando uma série de exceções para a exigência de manutenção de uma fração da propriedade rural com florestas nativas. Diminuiu, ainda, as Áreas de Preservação Permanente (APPs) por pressão dos setores econômicos citados e de outros, como os carcinicultores (criadores de camarão) – que têm avançado sobre os manguezais do Nordeste brasileiro.
6 – Fim da exigência do Estudo de Impacto Ambiental no Rio de Janeiro – 2012
Através da Lei Estadual Nº 1.356/88 eram estabelecidas as regras relacionadas à exigência de elaboração de Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e respectivo Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) para empreendimentos e atividades considerados potencialmente causadores de significativa degradação do meio ambiente, no bojo do que foi estabelecido pela Constituição Federal brasileira. Porém, há alguns anos o órgão estadual de meio ambiente vinha violando a obrigação legal, dispensando do EIA/RIMA especialmente as atividades de mineração. Diante da violação, o Ministério Público ingressou com Ação Civil Pública (ACP Nº 0031558-46.2004.8.19.0001) e condenou, com sentença transitando em julgado no Supremo Tribunal Federal (STF), o Estado do Rio de Janeiro para que exija os estudos, nos termos do mandamento constitucional.
Diante da decisão, o Governador Sérgio Cabral enviou Projeto de Lei à Assembleia Legislativa, em caráter de urgência, que transformava a obrigação em possibilidade, de acordo com decisão do órgão ambiental estadual. Houve reações contrárias e o projeto foi substituído pelo PL Nº 1.883/12, que se limitava a dispensar da obrigação legal de elaboração de EIA/RIMA apenas as atividades de exploração de minerais voltados para uso direto na construção civil.
A proposta foi aprovada em 27 de Dezembro de 2012, tomando forma na Lei Estadual Nº 6.373/12, que revoga a obrigação contida na Lei de 88 e torna discricionária a exigência de EIA/RIMA para empreendimentos de exploração mineral.
* Rogério Rocco é Analista Ambiental, Mestre em Direito da Cidade pela UERJ e Professor de Direito Ambiental.
** Publicado originalmente no site Eco21.
(Eco21)