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quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Publicação reúne avaliações sobre o risco de extinção de espécies de plantas em todo o país




Orquídea: uma das espécies sob o risco de extinção
Orquídea: uma das espécies sob o risco de extinção


Pesquisadores ligados ao Centro Nacional de Conservação da Flora (CNCFlora), entidade vinculada à Diretoria de Pesquisas do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, elaboraram o “Livro Vermelho da Flora do Brasil”. A publicação foi lançada nesta terça-feira (03/12), na Escola Nacional de Botânica Tropical, Solar da Imperatriz, no Rio de Janeiro.
O livro, organizado por Gustavo Matinelli e Miguel Ávila Moraes, revela que, do ponto de vista espacial, a maioria das espécies ameaçadas encontra-se nos nas regiões Sudeste e Sul. De um total de 4.617 espécies avaliadas, 2.118 (45,9%) foram classificadas como ameaçadas e enquadradas nas categorias Vulnerável (VU), Em Perigo (EN) e Criticamente em Perigo (CR). As demais entraram nas categorias Menos Preocupante (LC), Deficiente de Dados (DD) e Quase Ameaçada (NT).
AÇÕES DE CONSERVAÇÃO
Para os cientistas, um dos grandes desafios que os países enfrentam, atualmente, é conhecer sua biodiversidade e avaliar o risco de extinção das espécies nativas de seus territórios, para planejar as ações de conservação. O Brasil concentra de 11% a 14% da diversidade de plantas do mundo, com quase 44 mil espécies catalogadas e milhares ainda desconhecidas pela ciência. No País estão localizadas duas das 34 áreas de grande diversidade de espécies com alto risco de extinção (hotspots), que são a Mata Atlântica e Cerrado.
Entre os Estados, Minas Gerais tem a maior quantidade de espécies nas três categorias de risco de extinção (VU, EN e CR). Na sequência, Espírito Santo, Rio de Janeiro e Bahia encabeçam a lista da flora em risco de extinção. Mata Atlântica e Cerrado são os dois biomas em que se verificou o maior número de espécies ameaçadas, seguidos da Caatinga e dos Pampas.
A Amazônia ocupa o quinto lugar do ranking, o que pode ser explicado pela vasta rede de áreas protegidas (38% de seu território), pelas várias regiões de difícil acesso e pelas lacunas de informação sobre suas espécies. De acordo com os pesquisadores, o livro permitirá a atualização da “Lista Oficial de Espécies da Flora Brasileira Ameaçadas de Extinção”.
“O conjunto da obra oferece ao leitor todo o conteúdo necessário para consultar o risco de extinção de espécies da flora avaliadas”, esclarece Gustavo Martinelli, coordenador do CNCFlora. “Nesse contexto, acreditamos que o livro terá grande utilidade para municiar tomadores de decisão com informações científicas que possam nortear o estabelecimento de prioridades de ação para conservação de plantas, ou mesmo para direcionar pesquisas científicas que possam preencher lacunas de conhecimento sobre determinados grupos taxonômicos”.
DEGRADAÇÃO
O trabalho do CNCFlora foi elaborado a partir de ferramentas tecnológicas, obtidas em um portal online integrado, que viabilizaram a criação de um acervo único sobre as espécies em risco de extinção, constatando-se que a perda de hábitat e a degradação são as principais ameaças à flora nacional. Para o secretário de Biodiversidade e Florestas do Ministério do Meio Ambiente, Roberto Cavalcanti, a publicação apresenta avaliações de risco que servirão de subsídio essencial à elaboração da lista vermelha das espécies ameaçadas de extinção. “É, por isso mesmo, um trabalho importantíssimo de pesquisadores brasileiros e internacionais sobre a flora do País”, acrescenta.
Em relação às espécies avaliadas no livro, o grupo das samambaias, avencas e xaxins (Pteridófitas), por exemplo, é o mais ameaçado, enquanto o de musgos, entre outros (Briófitas) é, proporcionalmente, o menos ameaçado. O estudo apontou, ainda, que a família das bromélias (Bromeliaceae) apresenta o maior número de espécies consideradas criticamente em perigo, seguida das famílias das orquídeas (Orchidaceae) e das que fazem parte, por exemplo, girassóis e margaridas (Asteraceae).
PREOCUPAÇÃO
O Centro Nacional de Conservação da Flora tem a missão de coordenar os esforços nacionais de conservação de plantas. A primeira fase desse trabalho avaliou, cientificamente, 4.617 espécies da flora brasileira já incluídas em listas oficiais de espécies ameaçadas. A meta é, até 2020, concluir a avaliação de risco de extinção de todas as espécies conhecidas de plantas brasileiras.
O sistema do CNCFlora contabilizou 5.642 ameaças incidentes sobre a flora brasileira. Dentre elas, 3.400 (60,2%) afetam espécies consideradas em risco de extinção. A perda de hábitat e a degradação são responsáveis por 87,35% (2.970) dessas ameaças. A agricultura é a causa primária de perda de hábitat e degradação (36,1%). Infraestrutura e planos de desenvolvimento (23,5%), bem como o uso de recursos naturais (22,3%), também contribuem, de forma significativa, com esse processo. O fogo causado por pessoas (11%) é, igualmente, uma fonte de grande preocupação dos pesquisadores.
Na web:
CNCFlora
http://cncflora.jbrj.gov.br/portal/
https://www.facebook.com/cncflora
Texto de Luciene de Assis, do MMA, publicado pelo EcoDebate, 04/12/2013

segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

ENERGIA...


Hoje a palavra energia está mais do que em voga. O país consome, precisa pra crescer,mas, também desperdiça. E o ponto nevrálgico das discussões é a tão sonhada energia renovável, limpa. Mas energias como a eólica, Pequenas Centrais Hidreléticas - PCH's, energia nuclear são realmente alternativas mais limpas? Esta última elenca debates quentíssimos em qualquer roda de bar. As PCH's não são unânimes e a eólica traz em seu bojo inúmeras degradações, desde facilidades nas licenças ambientais por parte de alguns governos como a pressão e coação de algumas comunidades que ainda não tem suas escrituras de terra e estão em processo de regularização, para ceder suas terras a preço de banana para implantação das mesmas. O que ainda parece não ser claro, é que quem explora as torres eólicas são empresas privadas que tem como objetivo o lucro e nada mais. Exemplo disso são os parques eólicos na Bahia e em outros locais do país, que estão construídos, mas sem transmitir um watt de energia sequer.E na pauta ainda temos também a extração do gás de xisto, acalorando mais o debate.

O Governo de Pernambuco já dá como certa a instalação da Usina Nuclear em Itacuruba, interior do estado e às margens do rio São Francisco, cujas águas servirão para aliviar o calor das caldeiras. E quanto às PCH's também é o sonho de muita gente sair picotando um rio, cujos impactos de cada usina instalada pode gerar impactos maiores até que uma grande usina hidroelétrica.

A seguir, algumas reportagens sobre as tão propaladas formas alternativas de energia.



Pequenas Centrais Hidroelétricas: uma alternativa energética e seus impasses
ENERG IA
Texto: Fred Burgos | Fotos : João Zinclair

Uma solução de menor impacto social e ambiental do que as grandes usinas, as pequenas Centrais Hidroelétricas −PCHs têm sido apresentadas como uma alternativa econômica e ambientalmente viável para a geração de eletricidade, indispensável ao desenvolvimento do país. A consistência argumentativa de sua adoção como fonte energética tem despertado o interesse de investidores.

Estima-se que no rio São Francisco e nos seus afluentes estejam previstas mais de 200 pequenas
centrais hidroelétricas. A análise dessa fonte de energia e a compreensão dos impactos que o somatório dos empreendimentos previstos pode trazer para o meio ambiente e as comunidades ribeirinhas está na pauta de debates do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco − CBHSF.

No entender do presidente do CBHSF, Anivaldo Miranda, não há alternativa para a geração de energia que não cause conflitos com a natureza. Se mal planejada e concebida, qualquer uma pode trazer mais danos do que benefícios. Ao examinar o projeto de PCHs, sugere ele, é preciso avaliar os possíveis impactos do seu conjunto no entorno e não apenas a avaliação individual de projetos. Só então deve-se definir quantas e quais devem ser construídas sem colisões com as necessidades das comunidades e do meio ambiente. “Sabemos, por exemplo, que há determinados cursos de água, cuja importância para a biodiversidade é tão grande que não comporta a construção de PCHs. É preciso que haja uma avaliação sistêmica e sinérgica dos seus efeitos cumulativos, para que os benefícios minimizem em muito os impactos”, afirma.

A posição do Comitê é que, com tanta degradação ao meio ambiente observada ao longo de séculos,
o desenvolvimento dessa atividade demanda uma base sólida de informações, capaz de sustentar com convicção os questionamentos naturais a processos que envolvem interesses tão amplos.A expectativa em torno das PCHs é que, em sendo um projeto bem-estruturado do ponto de vista ambiental, social e negocial, traga não apenas retorno financeiro, mas também possa levar o progresso para a região do empreendimento, sem danificar ou interferir substancialmente na natureza
e na vida das populações. A temática assume importância crescente se for considerado que o São Francisco e seus afluentes possuem um alto potencial hidráulico-energético não explorado, o que faria das PCHs uma solução para o déficit energético regional. Segundo a assessora do Instituto Brasileiro de Mineração − Ibram e membro do CBHSF, Patrícia Boson, estimulado pelas organizações ambientais, o Comitê irá debater amplamente o tema, para que possa tomar uma posição conjunta. “No meu entendimento, a matriz hidroenergética é a melhor alternativa para o país. Mas é claro que ninguém afirmará isso quando ficar comprovado que um dado projeto em um local específico trouxer danos às populações e ao meio ambiente”, salienta.

Conforme a resolução n° 394, da Agência Nacional de Energia Elétrica − Aneel, uma PCH é uma usina de pequeno porte cuja capacidade instalada seja superior a um e inferior a 30 megawatts (MW). Além disso, a área do reservatório deve ser inferior a 3 km². O impacto socioambiental das PCHs, portanto, é consideravelmente menor do que o das grandes Usinas Hidrelétricas de Energia − UHEs.

Na visão negocial, a pequena central hidroelétrica produz energia que é colocada à disposição do sistema elétrico brasileiro. O que for produzido tem a garantia estatal de que será comprado. Mas nem tudo são flores. Operar a fio d’água (vazão natural) é uma característica de uma PCH típica. Em outros termos, não haveria um reservatório capaz de garantir a regularização do fluxo d’água.

Com isso, em ocasiões de estiagem, a vazão disponível pode ser menor que a capacidade das turbinas, causando ociosidade. Porém, há situações nas quais as vazões são maiores que a capacidade de engolimento das máquinas, permitindo a passagem da água pelo vertedor. Por isso, o custo da energia elétrica produzida pelas PCHs é maior que o de uma usina hidrelétrica de grande porte, onde o reservatório pode ser operado de forma a diminuir a ociosidade ou os desperdícios de água.

Há circunstâncias nas quais pequenos reservatórios se fazem necessários, já que nem todas as PCHs atuam apenas no fio d’água. No entender do professor Luiz Carlos Fontes, geólogo e coordenador do Laboratório Geo-Rio-Mar da Universidade Federal de Sergipe − UFSE, as PCHs não têm teoricamente um poder de reserva muito grande, mas retêm sedimentos (carga de fundo e de superfície). “Se eles deixarem de chegar ao rio principal, podem impactar, já que esses sedimentos são responsáveis por garantir a qualidade de água e afetam a produção de alimentos que chegam às casas”, observa. Ele explica que o rio não é só água, é também composto por sedimentos grossos (areias e cascalhos) e suspensos (lama e nutrientes). Portanto, é preciso considerar qual a influência das PCHs na retenção dessas cargas. É necessário, no seu entender, abordagens integradas dos impactos cumulativos de várias PCHs. “O rio principal é a soma dos seus afluentes. Existe um equilíbrio que, se quebrado, pode ocasionar mudanças inclusive na morfologia dos canais”, afirma o professor da UFSE.

Para exemplificar o efeito em cascata que pode ser provocado por tais projetos, Luiz Carlos Fontes afirma que a carga que o rio aporta no oceano é de fundamental importância para uma ampla biodiversidade. Assim, cada afluente possui um papel importante, cuja modificação pontual afeta uma ampla dinâmica. Dentro do próprio rio, “a ausência de carga de fundo pode, por exemplo, fazer com que o processo de erosão seja mais acelerado. É fundamental que haja sempre transparência na gestão dos recursos hídricos. A vazão de um rio não depende só do clima, mas também das formas de uso que se dá a suas águas e a dos seus afluentes”, afirma.

Outra questão levantada é que muitas PCHs têm uma vida útil curta. Isso porque, em alguns casos, como seus reservatórios são pequenos, sofrem assoreamento de forma rápida. “Faz-se investimentos grandes com recursos públicos, mas o investidor pode estar interessado apenas no período inicial da
vida da usina, o que pode gerar maior interesse na construção e implantação do que na sua operação”, adverte Rogério Sepúlveda, presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do rio das Velhas, afluente do São Francisco.

Sobre os impactos das PCHs, o biólogo e um dos coordenadores da Associação para Gestão Socioambiental do Triângulo Mineiro − Angá, Gustavo Malacco, questiona: “Se o empreendimento é pequeno e não afetará outras atividades, já que está baseado no fio d’água, por que precisa de reserva?” Na visão de Rogério Sepúlveda, há o argumento de que as PCHs não produzem grandes
inundações e alteram menos a qualidade de água. “Mas este é um argumento simplista”, diz ele. “O problema surge quando se troca uma usina média por várias pequenas e se começa a picotar o rio.

Em Minas Gerais, no rio Santo Antônio, na bacia do rio Doce, existem cerca de 10 PCHs previstas,
que somadas representam um grande impacto”, adverte. Por isso, a promotora de Justiça Luciana Khoury, coordenadora do Núcleo de Defesa do São Francisco do Ministério Público da Bahia sugere
que, na definição de qual deve ser a fonte geradora de energia, “a prioridade deve ser sempre em razão das necessidades e expectativas das comunidades e do meio ambiente, e não com foco apenas no custo e ganhos econômicos dos empreendedores”. Para o dirigente da Associação dos Irrigantes e Agricultores do Oeste da Bahia − Aiba, Júlio Ribeiro, os estudos dos impactos ambientais de tais projetos são de importância fundamental para que os diversos usos das águas não sejam comprometidos.

Proprietário de duas fazendas nos municípios baianos de São Desidério e Bom Jesus da Lapa, no Médio São Francisco, Ribeiro conta com mais de quatro mil hectares irrigados, onde planta soja, milho e algodão para os mercados interno e externo. “É preciso que se leve em consideração que a produção agrícola gera mais emprego e renda do que tais projetos. Mas, por outro lado, o armazenamento de água no período de maior vazão pode permitir que ela seja liberada no momento de escassez, regularizando o fluxo do rio”, observa.

Por se prestarem à geração descentralizada, as PCHs são adotadas principalmente em rios de pequeno e médio porte, que possuam desníveis significativos ao longo do seu percurso, gerando potência hidráulica suficiente para movimentar as turbinas. Em razão da baixa vazão de muitos afluentes, as PCHs são construídas nas áreas de maior desnível. Mesmo sem um conflito imediato com os projetos de irrigação, podem entrar em competição com o potencial turístico do lugar, já que onde tem PCH habitualmente tinha uma cachoeira.

Disponível em: http://cbhsaofrancisco.org.br/sala-de-imprensa/publicacoes/revista-chico-revista-do-comite-da-bacia-hidrografica-do-rio-sao-francisco-cbhsf-no-01-nov-2012



Parques eólicos desestruturam a dinâmica ambiental e ecológica do litoral. Entrevista com Antônio Jeovah de Andrade Meireles

Publicado em julho 23, 2013 por 

“Os parques eólicos estão causando a erosão das praias, e o mar já está batendo nos aerogeradores”, alerta o geógrafo.
Confira a entrevista.
Foto: http://www.portaldomar.org.br
Considerada pelos especialistas uma fonte renovável, a energia eólica, que não emite gases de efeito estufa durante sua operação, tem sido objeto de estudo de pesquisadores da Universidade Federal do Ceará, entre eles, Antônio Jeovah de Andrade Meireles, após serem identificados impactos ambientais por conta do funcionamento e instalação dos parques eólicos na região litorânea. Em entrevista concedida à IHU On-Line por telefone, o geógrafo apresenta os primeiros resultados das pesquisas que verificaram impactos socioambientais na região nordeste, onde estão instalados parques eólicos. De acordo com ele, “no processo de instalação dos aerogeradores, são construídas várias vias de acesso sob o campo de dunas móveis, as quais soterram sistemas lacustres. Como as dunas são móveis, elas estão passando por um processo de fixação artificial. Então, num primeiro momento, definimos que os parques eólicos não geram impactos pontuais, mas impactos que desestruturam a dinâmica ambiental e ecológica de um campo de dunas que, no Ceará, tem mais de 500 quilômetros de extensão”. Os impactos ambientais, esclarece, “estão relacionados à completa desestruturação morfológica, à mudança na paisagem dos campos de dunas, e ao soterramento das lagoas costeiras. Há uma completa desestruturação morfológica, porque as dunas estão perdendo sua formação natural, sua mobilidade, e consequentemente perde-se a função de amenizar processos erosivos”.
Meireles acentua o potencial energético dos parques eólicos, mas adverte que eles devem ser instalados em áreas adequadas. Além disso, propõe um investimento “genuinamente” público. E questiona: “Por que não se constroem parques eólicos para, num primeiro momento, levar energia limpa a milhares de comunidades que têm esse potencial instalado no lado das suas residências? (…) A energia pública, limpa e voltada para a produção comunitária seria uma alternativa extremamente importante e produziria um efeito ambiental e social que conduziria realmente a uma produção sustentável de energia”.
Antônio Jeovah de Andrade Meireles é doutor em Geografia pela Universidade de Barcelona, professor do Departamento de Geografia e dos Programas de Pós-graduação em Geografia e em Desenvolvimento e Meio Ambiente da Universidade Federal do Ceará – UFC.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – O senhor mencionou recentemente que a instalação dos parques eólicos leva em conta apenas a dimensão econômica, ignorando os custos ambientais desses projetos. Qual é o custo ambiental?
Foto: http://impactodastecnologias.webnode.pt
Antônio Jeovah de Andrade Meireles – Nós estamos elaborando uma série de estudos relacionados aos impactos socioambientais dos parques eólicos no Ceará. Em relação aos parques que estão sendo implementados na zona costeira, estamos analisando a forma de instalação dos aerogeradores e os impactos ambientais desse sistema. No processo de instalação dos aerogeradores são construídas várias vias de acesso sob o campo de dunas móveis, as quais soterram sistemas lacustres. Como as dunas são móveis, elas estão passando por um processo de fixação artificial. Então, num primeiro momento, definimos que os parques eólicos não geram impactos pontuais, mas de impactos que desestruturam a dinâmica ambiental e ecológica de um campo de dunas, o qual, no Ceará, tem mais de 500 quilômetros de extensão.
Os impactos ambientais estão relacionados à completa desestruturação morfológica, à mudança na paisagem dos campos de dunas e ao soterramento das lagoas costeiras. Há uma completa desestruturação morfológica, porque as dunas estão perdendo sua formação natural, sua mobilidade, e consequentemente perde-se a função de amenizar processos erosivos.
Outra análise diz respeito aos impactos cumulativos. O potencial eólico do Ceará é imenso, de 60 mil megawatt só na planície costeira, mas os parques estão sendo implantados sem análise cumulativa. Quer dizer, o que significa a liberação de licenciamento de um parque eólico, diante do potencial de se instalar 10 ou 20% do potencial eólico do estado, o que equivaleria a duas, três ou quatro mil cata-ventos aerogeradores? Com isso, já construímos outra discussão de como o Estado irá se preparar do ponto de vista estratégico, ambiental e social para a implantação dessa indústria que produz energia eólica, que é muito importante.
O estado do Ceará deve se preparar no sentido de formular políticas públicas que possam definir alternativas tecnológicas para a produção dessa energia. Há uma série de outros impactos que não estão sendo analisados, como os sociais. Os aerogeradores, e toda a área ocupada por eles, geram riscos de morte. Eles ficam em áreas privatizadas, aquelas relacionadas ao usufruto de comunidades tradicionais e comunidades de pescadores. Estamos observando também que os aerogeradores estão sendo construídos em áreas de intensa dinâmica das praias. Para se ter ideia, os parques estão causando a erosão das praias, e o mar já está batendo nos aerogeradores. Já foram construídos muros com blocos de rochas para protegê-los. Além disso, os parques estão sendo construídos em manguezais, dentro de áreas que deveriam ser investidas para potencializar a biodiversidade, uma vez que o sistema manguezal tem uma relação muito estreita com a soberania alimentar dos povos e comunidades tradicionais. Além disso, há os impactos sociais, como a gravidez precoce, o subemprego, porque os parques não geram emprego para as pessoas da comunidade. Centenas de trabalhadores chegam de uma hora para a outra nas comunidades, as quais não estão preparadas para recebê-los, não sabem o que vai acontecer, não têm acesso à informação. Então, cada processo de licenciamento ambiental se fundamenta na inequidade, e não no contrário, na necessidade de equidade socioambiental.
IHU On-Line – As consequências verificadas nesses parques eólicos podem ser aplicadas a outros parques instalados em regiões litorâneas?
Antônio Jeovah de Andrade Meireles – Sim, podem ser verificadas também nos parques que estão sendo instalados na Bahia, os quais têm problemas seríssimos com prostituição infantil. Os filhos de mulheres das comunidades que se relacionam com trabalhadores que chegam à região são chamados de filhos do vento. No Rio Grande do Norte, dunas e áreas de turismo estão sendo fortemente impactadas.
Consideramos essa fonte energética importante, mas ela deve ser genuinamente pública. Por que não se constroem parques eólicos para, num primeiro momento, levar energia limpa a milhares de comunidades que têm esse potencial instalado no lado das suas residências? Em algumas comunidades, os aerogeradores ficam muito próximos das casas, a 50 ou 60 metros. Os moradores definiram que o barulho dos aerogeradores como um avião que nunca pousa, por conta do barulho constante. Então, a energia pública, limpa e voltada para a produção comunitária seria uma alternativa extremamente importante e produziria um efeito ambiental e social que conduziria realmente a uma produção sustentável de energia.
IHU On-Line – Diante dos impactos ambientais apontados, ainda é viável investir em parques eólicos no país?
Antônio Jeovah de Andrade Meireles – É viável, claro! Desde que se leve em conta condições para se definir áreas mais adequadas, para se produzir uma energia pública com qualidade.
IHU On-Line – Como os parques eólicos têm modificado as regiões onde estão instalados? Quais são as reclamações dos moradores que vivem no litoral cearense?
Antônio Jeovah de Andrade Meireles – Reclamam da utilização e do domínio inadequado de seus territórios, os quais produzem soberania alimentar. Esses territórios estão sendo utilizados e privatizados, minimizando o acesso das comunidades aos locais de pesca, de mariscagem, de lazer. Então, para você ter ideia, algumas indústrias entram com pedido judicial para não pagarem impostos municipais, ICMS… E há também um processo de desinformação: as comunidades não têm informação sobre a área que será utilizada para a implantação dos parques eólicos, nem sobre a forma como eles serão instalados ou quanto tempo ficarão sem acessar as áreas etc.
IHU On-Line – Como o senhor vê a decisão de o governo abrir mão da expansão da matriz energética com base apenas em fontes limpas? Qual o significado dessa mudança no planejamento do plano decenal de energia?
Antônio Jeovah de Andrade Meireles – É uma situação complicada, porque o governo acaba investindo, por exemplo, em energia movida a óleo diesel, a energia derivada de petróleo, em energia movida a carvão mineral. Potencializar a matriz energética à base de petróleo e carvão mineral nos levará a colapsos ambientais, climáticos, gerando cenários de injustiça ambiental.
(Ecodebate, 23/07/2013) publicado pela IHU On-line, parceira estratégica do EcoDebate na socialização da informação.




Energia Eólica: a caçada pelos ventos!





quarta-feira, 13 de novembro de 2013

A hidrelétrica de Riacho Seco faz jus ao nome que tem, artigo de João Suassuna

[EcoDebate] As regiões do Alto e Médio São Francisco, localizadas no Estado de Minas Gerais, são responsáveis pela formação de cerca de 70% do volume da água existente no Velho Chico. O Estado de Minas é, portanto, o nascedouro e o principal responsável pela gênese volumétrica daquele rio, caudal que tem uma vazão média histórica de cerca de 2800 m³/s. A construção da represa de Sobradinho, no final de seu Médio curso, com capacidade de 34 bilhões de m³ (volume correspondente a aproximadamente 14 baías da Guanabara), foi de fundamental importância para a regularização da vazão do rio, cabendo às chuvas, que ocorrem sobre as citadas regiões mineiras, a manutenção do regime de enchimento da referida represa. Elas são intensas, no período de novembro a abril, intervalo no qual Sobradinho pode atingir a sua capacidade máxima; e reduzidas de intensidade, de maio a outubro, quando a represa utiliza o volume acumulado, no período chuvoso, para a manutenção da vazão do rio, nos seus cursos Submédio e Baixo São Francisco, regiões onde estão localizadas suas usinas hidrelétricas.
O ex- ministro de Minas e Energia, José Jorge, em pronunciamento no Senado Federal, em 2002, alertou a Nação brasileira sobre o indesejável risco hidrológico existente quanto ao uso das águas do Rio São Francisco o qual, segundo ele, deveria exigir atenção redobrada, por parte das autoridades do setor elétrico. Infelizmente foi ignorado, como se não houvesse irrigação na bacia do rio, e o estoque de água de Sobradinho – à época com 40% de sua capacidade útil – estivesse em níveis satisfatórios, sem haver, portanto, a probabilidade de novos racionamentos de energia, como ocorreu em 2001.
Sua excelência estava com a razão ao fazer aquele pronunciamento, como se demonstra, a seguir, de forma muito simples: em outubro de 1955, o rio São Francisco apresentou um volume de apenas 595 m³/s, tendo registrado, em anos subsequentes, enchentes monumentais, de cerca de 20 mil m³/s. Essa característica hidrológica do rio (secas e enchentes em sua calha) demandava um mecanismo que, além de regularizar sua vazão, impedindo comprometimento na geração de energia no Complexo de Paulo Afonso, amortecesse os piques de cheias frequentes em sua bacia hidrográfica. A solução encontrada pela Chesf foi a construção da barragem de Sobradinho, que conseguiu a proeza de regularizar a amplitude volumétrica que havia até então, mantendo a vazão média do rio em 2060 m³/s.
Ocorre que, a caída de chuvas abaixo da média se tornou um fato corriqueiro na bacia do São Francisco. Esse fenômeno, aliado ao uso indiscriminado de suas águas nos projetos de irrigação, bem como nas atividades interligadas ao setor elétrico brasileiro (as hidrelétricas do São Francisco têm gerado e enviado energia para consumo em outras regiões do País), vêm resultando em frequentes depreciações da represa de Sobradinho, a ponto de torná-la, cada vez mais, incapaz de cumprir os objetivos para os quais foi idealizada. Para se ter ideia dessa problemática, no mês de abril do corrente (2013), a represa de Sobradinho, que deveria estar próxima ao vertimento (sangria), apresentava, apenas, cerca de 35% do seu volume útil. Muito pouco, portanto, para uma represa que tem importância vital no atendimento das demandas do setor elétrico nordestino.As consequências disso passaram a se refletir em dificuldades na geração de energia pelo sistema Chesf. O sistema já não consegue mais gerar a energia necessária para o desenvolvimento do Nordeste. Em 2010, por exemplo, as suas hidrelétricas geraram 6000 MW médios e a região necessitou de 8000 MW médios. Dois mil megawatts médios já tiveram que vir de outras regiões geradoras do País.
Atualmente, no mês de novembro, Sobradinho encontra-se com menos de 25% de sua capacidade. Só há uma maneira para se recuperar uma represa desse porte: fazendo com que o volume de água que entra (volume afluente), seja maior do que o volume que sai dela (volume defluente). Tentando minimizar o problema, a Chesf conseguiu autorização da Agência Nacional de Águas (ANA) para lançar, de Sobradinho para o Submédio e Baixo São Francisco, cerca de 1100 m³/s, o que contraria uma determinação do IBAMA, que exige, em sua foz, volume de cerca de 1300 m³/s, as chamadas vazões ecológicas.
Temos acompanhado sistematicamente de perto o regime de recuperação volumétrica daquela represa e publicado as informações no Portal Rema Atlântico. Ora, se atualmente estão sendo lançados, de Sobradinho para o Sub Médio e o Baixo São Francisco, apenas cerca de 1100 m³/s, um volume muito parecido deve estar chegando à foz do rio. E, quando isso ocorre, o peixe desaparece das redes dos pescadores, os bancos de areia se evidenciam e a cunha salina tende a adentrar mais ainda em direção à nascente do rio.
Ainda em relação às questões volumétricas do Velho Chico, José do Patrocínio Tomaz Albuquerque, experiente hidrogeólogo paraibano, relata, em um de seus trabalhos, a influência das vazões de base, provenientes dos principais aquíferos do São Francisco, na garantia da regularização do rio. Nesse trabalho, ele alerta sobre as consequências que a exploração da água nos projetos de irrigação, sem o devido controle, poderá exercer no fluxo basal ao escoamento fluvial que chega a Sobradinho, o que poderá acarretar, em futuro próximo, a redução significativa da vazão de regularização da referida represa, com reflexos nefastos na geração de energia e no atendimento de outras demandas, inclusive no projeto de transposição.
Essas análises de Patrocínio são muito pertinentes e já nos levam a crer que a vazão regularizada do Velho Chico já está sofrendo influências reais, sobretudo da irrigação pesada, com a utilização de fortes demandadores de água, a exemplo do pivô central, sobre o aquífero Urucuia, no extremo oeste da Bahia, principalmente nas culturas do café e da soja. Nossa crença se deve à observação do comportamento da vazão média regularizada do rio que vem caindo de forma assustadora: após a construção de Sobradinho, se apresentava na esfera dos 2060 m³/s. Atualmente, mensurações dão conta de cerca de 1850 m³/s, em sua foz. Esse fato nos tem preocupado sobremaneira, principalmente em relação aos alertas de Patrocínio.
Fizemos questão de fazer esse breve histórico da problemática da vazão do Rio São Francisco, para mostrar a incapacidade do rio de comprometimento com novas demandas, principalmente aquelas que surgirão quando da ampliação do parque de geração de energia elétrica da região.
Essa questão da geração de energia em rios com problemas de vazão foi questionada porCélio Bermann, ao escrever o capítulo Impasses e controvérsias da hidreletricidade,no Dossiê de Energia da USP (vol 21 nº 59 jan/abr 2007), o qual tratou da complementação da motorização do sistema elétrico do complexo Chesf. No referido capítulo Bermann menciona o seguinte:
A Usina de Xingó foi projetada para abrigar dez turbinas de 500 MW, de forma a possuir uma capacidade instalada total de 5.000 MW. Entretanto, atualmente apenas seis turbinas estão instaladas. Trata-se, portanto, de 2.000 MW que poderiam ser acrescentados se as outras quatro turbinas previstas fossem instaladas. A Usina de Itaparica também apresenta condições semelhantes. Projetada inicialmente com dez turbinas de 250 MW, ela conta atualmente com apenas seis turbinas, perfazendo 1.500 MW. Outros 1.000 MW poderiam ser acrescentados se as turbinas fossem instaladas.Com respeito às duas usinas no rio São Francisco, continua Bermann, a Companhia Hidrolétrica do São Francisco alega que houve um superdimensionamento nos dois projetos e que não existe água suficiente (grifo nosso) para efetivar a complementação da motorização de ambas.”

Usina Hidrelétrica de Xingó, Canindé de São Francisco, SE. Foto de Gilton Goes, in Panoramio, podendo-se observar em seu lado esquerdo superior, os quatro orifícios na parede represa, para futuras instalações de máquinas.
Usina Hidrelétrica de Xingó, Canindé de São Francisco, SE. Foto de Gilton Goes, in Panoramio, podendo-se observar em seu lado esquerdo superior, os quatro orifícios na parede represa, para futuras instalações de máquinas.

Foi nesse cenário de penúria hídrica, que recentemente tivemos acesso a um vídeo publicitário, que mostra as pretensões do Governo Federal de construir uma nova hidrelétrica, a montante de Xingó e do complexo de Paulo Afonso: A Hidrelétrica de Riacho Seco.
Essa hidrelétrica, localizada no município de Santa Maria da Boa Vista (PE), próxima ao lugarejo denominado Riacho Seco, faz jus ao nome que recebeu. A geologia da região é de embasamento Cristalino e os cursos d´água existentes na localidade são temporários (eles interrompem seus fluxos na época de estiagem).
De acordo com o vídeo em questão, essa hidrelétrica, operará a fio d´água, com 8 máquinas tipo Bulbo, utilizando baixa queda (cerca de 9 m) e grandes vazões, com potência total de 276 MW e custo estimado em R$ 1,5 bilhão de reais. Pelo fato de ser a fio d´água, essa hidrelétrica não terá reservatório de acumulação (as águas atingirão apenas a cota máxima de cheias do rio) e, portanto, não terá poder de regularização de vazões a sua jusante.
Ora, fica muito difícil de entender o fato acima relatado, principalmente diante da impossibilidade da conclusão da motorização de Itaparica e Xingó, devido à inexistência de vazão no rio. Apesar de sabedoras dos indesejáveis riscos hidrológicos existentes no Rio São Francisco, mesmo assim, as autoridades elaboraram a proposta para construção dessa nova hidrelétrica a montante de Itaparica, em cujo local são frequentemente auferidas vazões diminutas e, portanto, inadequadas à geração de energia com a segurança desejada. O rio São Francisco não terá vazão suficiente para gerar energia com essa nova hidrelétrica! Por que 8 máquinas, em vez de 3 ou 4? Não seria, portanto, muito mais lógico e economicamente mais barato, a motorização de mais uma máquina em Itaparica, cuja potência equivale àquela que poderá ser gerada pelas 8 máquinas de Riacho Seco, do que se partir para a construção de uma nova hidrelétrica no rio?
Finalmente, e diante do relato acima, torna-se imperioso que as autoridades do setor elétrico do nosso País divulguem, junto à sociedade nordestina, documentos que atestem não só a viabilidade técnica e econômica da construção da Hidrelétrica de Riacho Seco(em local cuja vazão do rio está sendo deliberadamente manipulada em detrimento da recuperação volumétrica da represa de Sobradinho), como também justifiquem a impossibilidade de conclusão da motorização das hidrelétricas de Itaparica e Xingó (localizadas em sua parte jusante), em razão da debilidade hídrica no rio para o atendimento das demandas do setor elétrico. Com a palavra a Companhia Hidrelétrica do São Francisco (Chesf).
Sobre o assunto:
Usina Hidrelétrica Riacho Seco
Construção de novas barragens no Rio São Francisco
Pescadores Artesanais do Rio São Francisco
Transposição das águas do Rio São Francisco
João Suassuna é Engenheiro Agrônomo e Pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco

terça-feira, 24 de setembro de 2013

Estamos preparados para os riscos do pré-sal e do gás de xisto? 

Por Washington Novaes


pré-sal
Ilustração no blogue Diário do Pré-sal

[O Estado de S.Paulo] Anuncia-se que em novembro vão a leilão áreas brasileiras onde se pretende explorar o gás de xisto, da mesma forma que estão sendo leiloadas áreas do pré-sal para exploração de petróleo no mar. Deveríamos ser prudentes nas duas direções. No pré-sal, não se conhecem suficientemente possíveis consequências de exploração em áreas profundas. No caso do xisto, em vários países já há proibições de exploração ou restrições, por causa das consequências, na sua volta à superfície, da água e de insumos químicos injetados no solo para “fraturar” as camadas de rocha onde se encontra o gás a ser liberado. Mas as razões financeiras, em ambos os casos, são muito fortes e estão prevalecendo em vários lugares, principalmente nos Estados Unidos.
No Brasil, onde a tecnologia para o fraturamento de rochas ainda vai começar a ser utilizada, há um questionamento forte da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e da Academia Brasileira de Ciências, que, em carta à presidente da República (5/8), manifestaram sua preocupação com esse leilão para campos de gás em bacias sedimentares. Nestas, diz a carta, agências dos EUA divulgaram que o Brasil teria reservas de 7,35 trilhões de metros cúbicos em bacias no Paraná, no Parnaíba, no Solimões, no Amazonas, no Recôncavo Baiano e no São Francisco. A Agência Nacional de Petróleo (ANP) estima que as reservas podem ser o dobro disso. Mas, segundo a SBPC e a ANP, falta “conhecimento das características petrográficas, estruturais e geomecânicas” consideradas nesses cálculos, que poderão influir “decisivamente na economicidade de sua exploração”.
E ainda seria preciso considerar os altos volumes de água no processo de fratura de rochas para liberar gás, “que retornam à superfície poluídos por hidrocarbonetos e por outros compostos”, além de metais presentes nas rochas e “dos próprios aditivos químicos utilizados, que exigem caríssimas técnicas de purificação e de descarte dos resíduos finais”. A água utilizada precisaria ser confrontada “com outros usos considerados preferenciais”, como o abastecimento humano. E lembrar ainda que parte das reservas está “logo abaixo do Aquífero Guarani”; a exploração deveria “ser avaliada com muita cautela, já que há um potencial risco de contaminação das águas deste aquífero”.
Diante disso, não deveria haver licitações imediatas, “excluindo a comunidade científica e os próprios órgãos reguladores do país da possibilidade de acesso e discussão das informações”, que “poderão ser obtidas por meio de estudos realizados diretamente pelas universidades e institutos de pesquisa”. Além do maior conhecimento científico das jazidas, os estudos poderão mostrar “consequências ambientais dessa atividade, que poderão superar amplamente seus eventuais ganhos sociais”. É uma argumentação forte, que, em reunião da SBPC no Recife (22 a 27/7), levou a um pedido de que seja sustada a licitação de novembro.
Em muitos outros lugares a polêmica está acesa – como comenta o professor Luiz Fernando Scheibe, da USP, doutor em Mineração e Petrologia (12/9). Como na Grã-Bretanha, onde se argumenta que a tecnologia de fratura, entre muitos outros problemas, pode contribuir até para terremotos. A liberação de metano no processo também pode ser altamente problemática, já que tem efeitos danosos equivalentes a mais de 20 vezes os do dióxido de carbono, embora permaneça menos tempo na atmosfera. E com isso anularia as vantagens do gás de xisto para substituir o uso de carvão mineral. O próprio Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) tem argumentado que o gás de xisto pode, na verdade, aumentar as emissões de poluentes que contribuem para mudanças do clima.
Na França os protestos têm sido muitos (Le Monde, 16/7) e levado o país a restrições fortes, assim como na Bulgária. Alguns Estados norte-americanos proibiram a tecnologia em seus territórios, mas o governo dos EUA a tem aprovado, principalmente porque o gás de xisto não só é mais barato que o carvão, como reduziu substancialmente as importações de combustíveis fósseis do país, até lhe permitindo exportar carvão excedente. E a Agência Internacional de Energia está prevendo que até 2035 haverá exploração do gás de xisto em mais de 1 milhão de pontos no mundo. Nos EUA, este ano, a produção de gás de xisto estará em cerca de 250 bilhões de metros cúbicos – facilitada pela decisão governamental de liberar a Agência de Proteção Ambiental de examinar possíveis riscos no processo e pela existência de extensa rede de gasodutos (o Brasil só os tem na região leste; gás consumido aqui vem da Bolívia).
Também a China seria potencial usuária do gás, pois 70% de sua energia vem de 3 bilhões de toneladas anuais de carvão (quase 50% do consumo no mundo).Embora tenha 30 trilhões de metros cúbicos de gás de xisto – mais que os EUA -, o problema é que as jazidas se situam em região de montanhas, muito distante dos centros de consumo – o que implicaria um aumento de 50% no custo para o usuário, comparado com o carvão. Por isso mesmo, a China deverá aumentar o consumo do carvão nas próximas décadas (Michael Brooks na New Scientist, 10/8).
E assim vamos, em mais uma questão que sintetiza o dilema algumas vezes já comentado neste espaço: lógica financeira versus lógica “ambiental”, da sobrevivência. Com governos, empresas, pessoas diante da opção de renunciar a certas tecnologias e ao uso de certos bens – por causa dos problemas de poluição, clima, consumo insustentável de recursos, etc. -, ou usá-los por causa das vantagens financeiras imediatas, que podem ser muito fortes.
Cada vez mais, será esse o centro das discussões mais fortes em toda parte, inclusive no Brasil – com repercussões amplas nos campos político e social. Preparemo-nos.
*Washington Novaes é jornalista. E-mail: wlrnovaes@uol.com.br
Artigo originalmente publicado em O Estado de S.Paulo.

segunda-feira, 2 de setembro de 2013

Tudo por dinheiro, artigo de Heitor Scalambrini Costa




radiação

[EcoDebate] Em recente visita a microrregião de Itaparica, aos municípios de Floresta, Belém do São Francisco, Petrolândia e Itacuruba, pude constatar, a completa falta de informação das respectivas populações sobre a provável instalação de uma usina nuclear na região.
A visita, que contou com o apoio da Diocese de Floresta através do Movimento Cultura de Paz, teve o objetivo de levar informações sobre a energia nuclear, a radioatividade, os efeitos da radiação, o que é uma usina nuclear e como funciona, os riscos de acidentes e a situação desta fonte energética no mundo e no Brasil. Além de haver uma discussão sobre outras fontes de energia, em particular aquelas encontradas na natureza, que poderiam atender a demandas energética destas populações.
Foram realizadas Rodas de Dialogo nos quatro municípios com a presença de educadores, religiosos, políticos, representantes da sociedade civil organizada, movimentos de jovens, representantes de grupos quilombolas e indígenas. Amplo material de divulgação foi distribuído aos participantes, desde cartilha explicativa, cordéis, e-books com artigos sobre a questão nuclear e panfletos.
Como resultado das Rodas de Dialogo foram definidos em cada cidade, ações que serão desenvolvidas no intuito de mais e mais pessoas se incorporarem ao debate sobre a instalação da usina nuclear. Assunto de grande importância para o destino dos moradores das cidades e do campo daquele território.
O trabalho planejado durante estes reuniões se dará essencialmente na divulgação pelas redes sociais, em ações nas escolas estimuladas pelos educador@s, na distribuição de material informativo aos membros das associações de moradores, associações de pescadores, comerciantes, nas aldeias indígenas e nas comunidades quilombolas. O que se espera de toda esta movimentação é que as populações se envolvam neste debate, e como resultado, formem opinião sobre a decisão unilateral tomada de se instalar a usina nuclear. Espera-se que sejam ouvidos, e tomem em suas mãos a responsabilidade de aceitarem ou não esta instalação industrial para produzir energia elétrica. O que não se pode mais aceitar e nem admitir são que decisões sejam tomadas à revelia, sem a participação dos principais interessados.
Por outro lado nestas reuniões, o que era esperado aconteceu. Mesmo convidado à classe política não esteve presente, e quando alguns de seus membros compareceram, foi de maneira não participativa nos debates. O que se percebe nesta atitude é que fogem da discussão pública. Evitam se comprometerem, e nem emitem suas opiniões publicamente. Todavia, à surdina, conspiram para a vinda da usina nuclear para a região, apoiando interesses pessoais em detrimento do interesse público, da coletividade, das comunidades.
Também nesta viagem, tornou mais claro o interesse econômico envolvido com a construção da usina nuclear no município de Itacuruba. A área pré-selecionada a beira do rio São Francisco possui diversos proprietários em todo seu entorno. A maior propriedade em extensão pertence a parentes do ex-prefeito de Itacuruba,. Estivemos com um dos outros proprietários de terras na região (possui uma gleba de 130 ha), que nos informou já ter sido procurado pelo ex-prefeito interessado em comprar suas terras, como também de outros proprietários que teriam sido procurados para este fim.
Verifica-se nesta movimentação o interesse de tornar-se o único proprietário das terras, e assim poderem ser negociadas, e muito bem indenizadas pelo governo federal, caso a usina nuclear seja implantada na região. Também para valorizá-las, o ex-prefeito na sua gestão, obteve recursos do Ministério da Integração Nacional/Codevasf para a implantação e pavimentação de uma rodovia vicinal até estas terras, chegando bem próximo a fazenda Jatinã (local pré selecionado para a implantação da usina nuclear). Esta rodovia, um trecho da PE 422, atravessa terras da aldeia Pankará e comunidades quilombolas, Por exigência da comunidade indígena, licenças para esta rodovia nunca foram apresentadas, e as obras foram paradas. Os recursos públicos destinados para esta rodovia foram de R$ 13.488.205,55.
O discurso proferido por este político na defesa intransigente da usina nuclear, caminha no sentido que a usina trará impactos econômicos importantes para a região, e como consequência, o desenvolvimento e o progresso tão almejado pelos habitantes. Este discurso, recorrente, já que utilizou os mesmos argumentos quando prometeu e não cumpriu o Observatório de Itacuruba (http://www.debatesculturais.com.br/observatorio-de-itacuruba-uma-obra-inacabada/ ), aponta na geração de emprego e renda para a população. Todavia, esconde de fato o mero interesse pessoal, em detrimento ao da coletividade, que sofrerá os impactos e o estigma que esta construção trará aos moradores do seu entorno.
Em verdade, o que tem movido a defesa desta obra na região, por alguns que exerce grande influencia junto às populações pelo fato ocuparem (ou já ocuparam) cargos públicos na política local, são os benefícios financeiros que receberão com a implantação desta obra.
Esta situação se verifica quando defensores do modelo predatório de desenvolvimento em curso no Estado, com obras como da instalação de uma indústria de petróleo e gás, termoelétricas a combustíveis fósseis, construção de estaleiros, de indústrias altamente poluentes no Complexo de Suape; locupletam-se financeiramente. Afinal é tudo por dinheiro.
Heitor Scalambrini Costa, Articulista do Portal EcoDebate, é Professor da Universidade Federal de Pernambuco