Pesquisar este blog

terça-feira, 25 de junho de 2013

Alheio aos riscos econômicos e ambientais, Brasil quer retomar extração de terras-raras

Publicado em junho 25, 2013 por 
mineração

País abandonou exploração dos metais de terras-raras na década de 90, mas, com o salto no preço da matéria-prima, quer brigar com a China por uma fatia do mercado. Extração, porém, implica riscos econômicos e ambientais.
O Brasil quer entrar num mercado arriscado. Depois de abandonar a produção dos metais de terras-raras em meados da década de 90, o governo viu os preços dispararem no mercado mundial e voltou a investir no setor.
Esses metais estão associados à indústria de alta tecnologia, comumente usados na produção de tecnologias mais verdes, como catalisadores e peças para turbinas eólicas. Paradoxalmente, sua extração pode gerar material radioativo e tem sido alvo de protestos de ambientalistas pelo mundo. Além disso, boa parte dos depósitos do Brasil está em áreas de preservação e reservas indígenas.
O mercado mundial das terras-raras é dominado pela China, responsável por cerca de 95% de toda a produção e que dita as regras do setor. Nos últimos anos, os preços da matéria-prima chegaram a quintuplicar, e a incerteza de continuidade no abastecimento ameaça pequenas e médias empresas no campo de tecnologias verdes.
O Brasil chegou a explorar terras-raras na metade da década de 90, mas deixou de produzir quando a China começou a fornecer com uma melhor relação custo-benefício. Agora, o governo brasileiro quer avançar nesse mercado.
A exploração de terras-raras é tão específica que ficou fora do Marco da Mineração, lançado pelo Palácio do Planalto esta semana, e deve ser regulamentada por lei própria. Há menos de um mês foram anunciados investimentos de 11 milhões de reais em quatro anos para a exploração de terras-raras. O valor inclui o mapeamento das jazidas, os estudos de viabilidade da exploração e a capacitação de técnicos. E esse valor ainda pode aumentar.
Brasil tem potencial para abastecer todo o mercado mundial de terras-raras
Brasil tem potencial para abastecer todo o mercado mundial de terras-raras

Além disso, o Senado montou uma subcomissão temporária da Comissão de Ciência, Tecnologia e Inovação para discutir o tema e quer criar regras claras para o novo negócio. O relator do grupo, senador Luiz Henrique da Silveira, disse que o mercado de terras-raras pode movimentar até 20 bilhões de euros em 30 anos.
Esses elementos químicos muito específicos são usados na composição metálica de catalisadores, lâmpadas de alto desempenho, chips de computadores e smartphones ou mesmo nos motores de carros elétricos. São minerais de nomes complicados, que na tabela atômica vão do número 57 ao 71, como latânio, cério, praseodímio, promécio e európio, por exemplo. A denominação terras-raras também pode confundir: os 17 elementos desse grupo são até bem frequentes no mundo, mas estão dispersos em pequenas quantidades entre outros materiais, o que torna a sua exploração complicada.
Sob florestas e em áreas demarcadas
O geólogo José Affonso Brod, da Universidade de Brasília (UnB), afirma que o Brasil tem recursos suficientes para suprir todo o mercado mundial, mantido o atual nível de consumo, por mais de 50 anos. Segundo ele, só no depósito de Catalão, em Goiás, estão mais de 6,5 milhões de toneladas de óxidos de terras-raras.
Um relatório da Agência Alemã de Recursos Minerais (Dera) cita ainda a região de Pitinga, no coração da Floresta Amazônica, como outra área com potencial para a exploração de terras-raras. Por lá, estanho, chumbo, nióbio e tântalo já são extraídos de uma mina de exploração aberta. Levantamentos geoquímicos também serão feitos este ano em Seis Lagos – uma reserva florestal em São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas – e em Repartimento, uma região de igarapé no município de Mucajaí, em Roraima.
Boa parte das reservas minerais está sob áreas de preservação ou terras indígenas
Boa parte das reservas minerais está sob áreas de preservação ou terras indígenas

O Serviço Geológico do Brasil (CPRM) participa da identificação e do mapeamento dos recursos e sabe que as potenciais jazidas estão em áreas demarcadas ou de preservação. Num seminário para discutir o tema na Câmara dos Deputados, o chefe do Departamento de Recursos Minerais do CPRM, Francisco Valdir Silveira, citou a falta de mão-de-obra especializada e o acesso como um obstáculo. “Muitas dessas áreas se encontram em reservas indígenas, reservas e parques florestais onde não há nenhum respaldo legal para a entrada dos técnicos”, declarou, ressaltando que o foco do projeto é mesmo a região amazônica.
O Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) tem o assunto na sua pauta de estratégias. “Para nós, a mais importante delas diz respeito aos ímãs de terras-raras, por sua utilização em vários setores industriais”, ratificou o secretário de Desenvolvimento Tecnológico e de Inovação do MCTI, Álvaro Prata, no anúncio dos estudos de levantamento.
Risco de contaminação
Mas os perigos da exploração são apontados pelo Centro de Tecnologia Mineral (CTM), outro setor do mesmo ministério. O diretor do centro, Fernando Lins, alertou publicamente para o risco de contaminação química e radioativa das minas. O geólogo José Affonso Brod explica que esse é um problema global. “É uma das razões pelas quais várias operações de produção de terras-raras foram abandonadas ao longo do tempo em favor da importação da China”, esclarece.
Ele conta ainda que, no mundo todo, tentativas de retomada da produção em antigas jazidas ou a abertura de novas minas para a produção de terras-raras são contestadas por movimentos ambientais.
O aspecto positivo, ao menos na situação da mina brasileira de Catalão, é que o potencial radioativo é menor, como explica Brod.  Segundo ele, o principal mineral que contém as terras-raras é a monazita, um fosfato de tório e terras-raras. “A monazita desta jazida tem um conteúdo de tório substancialmente menor do que outras ocorrências mundiais”, compara.
O geólogo Claudinei Gouveia de Oliveira, também da UnB, ressalta que o país tem várias ocorrências de grande potencial que não têm nenhuma vinculação com minerais radioativos. Mas existem também no Brasil, como em outras partes do mundo, depósitos de terras-raras associados ao urânio ou tório.
Países deixaram o trabalho sujo com a China e sem demanda interna, Brasil só exportaria commodities
Países deixaram o trabalho sujo com a China e sem demanda interna, Brasil só exportaria commodities

Apesar do atenuante, existem riscos, e por isso a mineração deve ser regulamentada do início ao fim. Oliveira alerta que é inconcebível, mas existem situações, não necessariamente relacionadas a terras-raras, em que a exploração acontece sem que se tenha um conhecimento aprofundado das características dos minérios.
“Muitas vezes uma empresa tem a autorização para explorar uma determinada commodity, e o que vai para a barraca de rejeitos é desconhecido e lá estão aspectos contaminantes ou radioativos”, alerta. Segundo ele, até pouco tempo, na exploração dos carbonatitos da área de Catalão, as terras-raras iam parar no lixo.  “Essa mudança de consciência começou a ocorrer mais recentemente, com a reserva de mercado da China e o aumento de preços.”
Mercado é pequeno
Mas o Brasil não é o único de olho no mercado. Dados do Instituto Federal de Geociências e Recursos Naturais da Alemanha indicam ao menos 400 iniciativas em 36 países. O mercado pode não ter lugar para todos. “O problema é que este mercado é muito pequeno. São pouco mais de 130 mil toneladas por ano”, diz Brod. Ele alerta que, se um ou dois países se apresentarem antes como fornecedores, o preço tende a cair.
Além disso, o mercado brasileiro não é um grande consumidor de terras-raras. Oliveira sugere que esse mercado seja ampliado antes dos investimentos na lavra. O senador Luiz Henrique da Silveira fala em parcerias com a Alemanha para desenvolver a indústria especializada e diz que já existem acordos assinados nesse sentido.
O governo também quer agregar valor aos óxidos. Sem isso, a exploração de terras-raras apenas reforçaria a posição brasileira como um país exportador de commodities minerais. “O caminho para o Brasil ocupar uma posição de destaque neste setor é a verticalização, ou seja, aliar a exploração das jazidas de terras-raras com o estabelecimento de uma cadeia produtiva local que agregue valor a esse produto”, resume Brod.
Matéria de Ivana Ebel, da Agência Deutsche Welle, DW, publicada pelo EcoDebate, 25/06/2013

terça-feira, 18 de junho de 2013

‘A transgenia está mudando para pior a realidade agrícola brasileira’. Entrevista com Leonardo Melgarejo

Publicado em junho 4, 2013 por 

“Existem abordagens contraditórias. De um lado há unanimidade quanto à importância dos avanços científicos e do potencial da engenharia genética para o futuro da humanidade. De outro lado, há uma grande divisão relativamente aos resultados obtidos até o presente momento”, pontua o engenheiro agrônomo.
Confira a entrevista.
Foto: direitodeconsumir.wordpress.com

Após retornar de uma série de reuniões sobre o desenvolvimento dos transgênicos no Brasil na CTNBio, Leonardo Melgarejo concedeu a entrevista a seguir à IHU On-Line por e-mail. Nela questiona o que chama de “decisões polêmicas” tomadas pelo colegiado que tem a finalidade de prestar apoio técnico ao governo federal na formulação, atualização e implementação da Política Nacional de Biossegurança relativa aos Organismos Geneticamente Modificados – OGM. De acordo com ele, entre os temas em pauta estava o sigilo sobre informações referente “à performance agronômica das lavouras transgênicas”. Ele explica: “Há um entendimento, entre os membros da maioria, de que até mesmo as informações sobre o rendimento das lavouras transgênicas devem ser mantidas em sigilo. Aliás, o entendimento é de que todas as informações obtidas nos ensaios de campo devem ser sigilosas. Há dois anos isso não era assim. De lá para cá, na opinião da minoria crescem as evidências de efeitos colaterais e, ao mesmo tempo, crescem os receios – das empresas – de que ocorra divulgação destes efeitos. Possivelmente, as campanhas de marketing seriam prejudicadas pelas evidências de campo caso isso se tornasse de conhecimento público. Assim, algumas empresas pedem sigilo sobre todos ou quase todos os resultados de boa parte de seus estudos. Alegam que o registro de novas cultivares só será possível na medida em que todas as informações sobre estas cultivares sejam sigilosas, desconhecidas, completamente inéditas”.
Melgarejo também chama atenção para uma nova agenda que está sendo trabalhada pelas empresas, referente à introdução de novas espécies transgênicas no mercado, como cana, sorgo, laranja e eucalipto. “Atualmente estão sendo criadas regras para testes de campo dessas culturas, que são etapas necessárias à posterior comercialização. Se tomarmos como exemplo soja, milho e algodão, a experiência mostra que esses milhares de experimentos realizados, sobretudo no centro-sul do país, geraram pouquíssimos dados sobre os potenciais impactos dessas plantas modificadas no ambiente e sobre a saúde. Até agora não há indicativo de que o quadro mudará para essas novas espécies. Como preocupação neste caso, temos a expectativa triste de que deverá se repetir a tendência de geração de dados agronômicos de interesse das empresas, mas que oferece escassa ou mesmo nula utilidade para as análises de biossegurança, que – afinal de contas – correspondem à razão de ser da CTNBio”, lamenta.
Leonardo Melgarejo (foto abaixo) é engenheiro agrônomo, mestre em Economia Rural e doutor em Engenharia de Produção pela Universidade de Santa Catarina – UFSC. É membro do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – Incra, no Rio Grande do Sul.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Como a transgenia tem mudado a produção agrícola brasileira?
Foto: www2.camara.leg.br
Leonardo Melgarejo – Esta tecnologia sem dúvida tem sua atratividade. Ela promete grandes resultados em termos de produtos melhores e mais saudáveis. Também promete menor impacto ambiental, maior produtividade e lucratividade para produtores grandes e pequenos, com menores riscos para os consumidores. E ainda joga com esperanças muito complexas: promete plantas resistentes à seca, plantas tolerantes a solos ácidos, plantas que curam doenças, entre outros sonhos da humanidade. Infelizmente nada disso tem se confirmado. Até o presente, essas afirmações continuam restritas às campanhas de marketing e às manifestações de apoiadores da tecnologia.
É verdade que lavouras tolerantes a herbicidas trazem, inicialmente, facilidades técnicas. Trazem de fato simplificações ao processo de gestão, que são importantes e facilitam o trabalho do agricultor. Assim como é verdade que plantas inseticidas, que matam as lagartas que tentam mastigar suas folhas, durante algum tempo permitem economizar em inseticidas e facilitam o controle de determinados insetos. Mas isso só tem se mostrado válido no curto prazo. No médio prazo, o que tem sido observado é o oposto: há uma necessidade de uso de agrotóxicos mais fortes e mais tóxicos, com maior frequência e em maior intensidade, ampliando os custos e reduzindo a rentabilidade das lavouras. Para que se tenha ideia: segundo a imprensa, nesta safra, com o ataque de lagartas que deveriam ser controladas pelas lavoura Bt, o custo de produção da soja, na Bahia, passou de US$ 100 para US$ 200 por hectare. No caso do algodão, os gastos passaram de US$ 400 para US$ 800 por hectare (Valor Econômico, 12-03-2013). Segundo a imprensa, agricultores que até 2012 usavam 70 ml do inseticida Prêmio, da DuPont (produto mais recomendado e utilizado na região), com expectativa de restringir em 90% a população da Helicoverpa, lagarta que deveria ser morta no contato com plantas Bt, nesta safra, mesmo utilizando 150 ml, obtiveram resultados de apenas 70%. Os prejuízos, na Bahia, são estimados em R$ 2 bilhões .
Os resultados concretos mostram que, de forma geral, é possível afirmar que a transgenia tem oferecido para alguns, durante algum tempo, facilidades de manejo em função da homogeneização de processos decisórios relacionados ao controle de herbicidas e de algumas pragas. Porém, isso tem reflexos muito severos para os demais envolvidos. E mesmo para os que se beneficiam no curto prazo, os resultados de médio e longo prazo não permitem otimismo. Vejamos: a agricultura brasileira se vê diante da ampliação de custos produtivos e percebe uma alteração no tamanho mínimo viável para lavouras tecnificadas de milho, soja e algodão. Com isso, pequenos estabelecimentos se tornam inviáveis, o que resulta em aceleração da exclusão de pequenos produtores. Isso significa que, na prática, a transgenia tem acelerado uma espécie de reforma agrária às avessas no rural brasileiro. A expansão das lavouras transgênicas também acelera a simplificação das matrizes produtivas regionais.
Círculo vicioso
Ao reduzir o número de produtores e o leque de produtos ofertados, a expansão da monocultura e o avanço das lavouras transgênicas provocam um círculo vicioso, que amplia as dificuldades de permanência das famílias no campo. Perceba: exigindo economia de escala e sendo deletéria para a agricultura familiar, esta tecnologia leva à redução da população rural e acaba inviabilizando a prestação de serviços que são fundamentais para a vida no campo. As escolas, os postos de saúde, as linhas de coleta de leite se tornam inviáveis quando a população se faz rarefeita. Então, é possível afirmar que a expansão dos transgênicos se associa à tendência de fragilização do tecido social necessário para a permanência do homem no campo. Além de reforçar o esvaziamento do campo e refrear o avanço de políticas que apostam em processos de desenvolvimento rural, “com gente”, a transgenia ameaça a qualidade de vida dos que permanecem no campo, ampliando o volume de agrotóxicos utilizados. Tanto é que o Brasil se tornou o país que mais usa agrotóxicos no mundo. Para o agronegócio não é ruim: sugere um maior volume de negócios, permitindo mapear uma expansão do PIB e da contribuição do setor para a economia nacional.
Mas isso não é do interesse da sociedade, sob o ponto de vista da maioria da população. Não apenas porque contraria o senso comum, mas também porque reforça um círculo vicioso. O maior volume de agrotóxicos, além dos problemas de saúde, está provocando o surgimento de plantas tolerantes a herbicidas, demandando expansão no uso de venenos. E não é apenas isso: o maior uso de venenos se associa à necessidade de venenos mais perigosos. Perceba: os primeiros transgênicos liberados no Brasil eram resistentes ao Roundup, um herbicida à base de glifosato, que é classificado pela Anvisa como sendo de baixa toxicidade. Ele está comprovadamente associado à presença de alguns tipos de câncer, a problemas reprodutivos e neurotóxicos, entre outros, mas é classificado como de baixa toxicidade. Pois os transgênicos em avaliação pela CTNBio, atualmente, e que substituirão aqueles primeiros, que já não funcionam bem, serão tolerantes ao 2,4-D. E este é de alta toxicidade. Possivelmente, em breve estará sendo aplicado de avião, talvez em milhões de hectares. Podemos esperar que este veneno caia apenas sobre as lavouras? É importante observar que uma planta, que não morre quando toma um banho de veneno com ação hormonal, carregará consigo parte daquele veneno. Será consumida com resíduos do veneno. Por que os transgênicos tolerantes ao glifosato estão sendo substituídos? Porque a natureza produziu plantas que já não morrem quando aquele veneno é aplicado sobre elas.
A transgenia está mudando a realidade agrícola brasileira
No caso das plantas inseticidas, que matavam as lagartas que atacavam seus grãos, raízes e folhas, está ocorrendo algo semelhante. A natureza está produzindo lagartas que não morrem quando comem plantas que carregam aquelas toxinas. As perdas nesta safra levaram o governo a decretar estado de emergência fitossanitária e a autorizar a importação e aplicação de inseticidas novos. Um deles, o benzoato de emamectina, é condenado pela Anvisa. Trata-se de produto comprovadamente neurotóxico, que não era utilizado no país e que agora, graças à transgenia, passa a ser incorporado aos pacotes tecnológicos do agronegócio brasileiro. Enfim, essa pergunta é muito ampla, permite uma conversa de horas. Talvez de uma maneira muito simplificada, possamos afirmar apenas que a transgenia está mudando para pior a realidade agrícola brasileira.
Os impactos negativos são de ordem socioeconômica, de ordem estrutural, de ordem ambiental, de ordem sanitária e fitossanitária. Cresce e piora o quadro do uso de agrotóxicos, com seus reflexos sobre a saúde humana e ambiental. Insetos que eram pragas irrelevantes se tornam pragas importantes carecendo de inseticidas novos. A biodiversidade se reduz. O desequilíbrio ecológico aumenta. As sementes crioulas se contaminam com transgenes veiculados pelo pólen que chega a todos os locais, carregado por insetos e pelo vento, com impactos relevantes no futuro da nação. Isso estende os direitos das multinacionais detentoras das patentes daqueles transgenes, sobre os estoques de sementes guardadas há gerações, pelos agricultores de todo o país, reduzindo nossas perspectivas de autonomia, segurança e soberania alimentar.
IHU On-Line – É possível desenvolver a agricultura sem o uso de transgênicos?
Leonardo Melgarejo – Sim. Existem muitos exemplos disso. A Embrapa dispõe de tecnologias para resolver, com superioridade, todos os problemas que são usados como justificativas para a expansão de transgênicos. A Embrapa possui até soluções para os problemas causados pelos transgênicos – como as plantas que não morrem com a aplicação de herbicidas e os insetos que atacam as lavouras Bt. Mas não apenas a Embrapa dispõe desses conhecimentos. Organizações, redes e feiras de produtores de base ecológica podem ser visitados em praticamente todos os lugares do Brasil. E não se trata apenas de lavouras de pequeno porte, embora estas predominem. Temos vastas áreas com lavouras de soja, de milho, de arroz e de outras culturas produzidas com técnicas de base agroecológica.
Segundo a Associação Brasileira de Produtores de Grãos Não Geneticamente Modificados – Abrange, o Brasil é o maior produtor e exportador de produtos não transgênicos. Esta associação sustenta que a produção de soja “limpa” passou, entre 2009 e 2011, de 12 para 14 milhões de toneladas e que apenas no Mato Grosso agricultores do programa Soja Livre receberam, naquela última safra, receitas adicionais de R$ 235,3 milhões. Eles ainda teriam economizado R$ 47,4 milhões não recolhendo royalties para multinacionais que controlam aquelas tecnologias.
É importante reforçar que a viabilidade de outro modelo de agricultura depende sim de outro paradigma tecnológico, mas também depende de uma base social fortalecida no campo. Por outro lado, o quadro atual e as perspectivas de um futuro próximo cada vez mais impactado pelos efeitos da mudança do clima, da crise energética e de uma deterioração crescente dos recursos naturais indicam a inviabilidade do atual padrão de produção. O mais grave é que ao mesmo tempo em que se expande o agronegócio, cresce no mundo a multidão de pessoas famintas e desnutridas. Isso significa não apenas uma ameaça para a manutenção das condições sociopolíticas e econômicas, como também para as possibilidades de recuperação das bases físico-naturais que sempre sustentaram a agricultura. A ameaça à biodiversidade é uma ameaça à vida.
IHU On-Line – Diante do avanço da transgenia e do uso de agrotóxicos, ainda é possível desenvolver uma agricultura alternativa?
Leonardo Melgarejo – Sim. Existem experiências concretas nesse sentido, que poderiam ser visitadas, filmadas, expostas para conhecimento geral. Considere-se apenas como exemplo o caso do arroz irrigado. A lavoura de arroz é a cultura mais sofisticada da agricultura gaúcha, aquela que envolve maior nível de sofisticação tecnológica e, portanto, a de mais difícil manejo e controle. É a linha de frente do agronegócio gaúcho, e tem tanto poder que impediu a liberação de um arroz transgênico produzido pela Bayer (no mês em que ele seria aprovado pela CTNBio) para cultivo comercial no Brasil. Como o mercado europeu não aceita o arroz transgênico, e os orizicultores gaúchos não querem perder acesso àquele mercado, naquela ocasião realizaram uma mobilização tão efetiva que a Bayer voluntariamente retirou o pedido de liberação comercial antes da decisão da CTNBio, a qual seguramente aprovaria sua demanda. Pois bem, o maior produtor de arroz irrigado sem uso de agrotóxicos da América Latina é um grupo de agricultores estabelecidos em assentamentos de reforma agrária, no Rio Grande do Sul. Apenas nesta última safra eles cultivaram 3,4 mil hectares e colheram perto de 15 mil toneladas de arroz sem o uso de agrotóxicos. Perceba: isso está ocorrendo na contramão da lavoura mais complexa, de maior tecnificação e relacionada ao grupo mais poderoso do agronegócio gaúcho. Portanto, é evidente que seria alcançado com maior facilidade em atividades mais dependentes de mão de obra, como na fruticultura, nas folhosas, nas raízes e nos tubérculos. E também poderia ser realizado nas grandes lavouras de menor sofisticação, como o milho e a soja.
Por que isso não ocorre naturalmente? Porque as linhas de crédito, as realizações da pesquisa, as redes de transporte e armazenagem, e a política de desenvolvimento agrícola estão comprometidas com a proposta dos agroquímicos. A agricultura nacional, sendo empurrada rumo a uma transição para maior dependência de agroquímicos, dificulta a manutenção de situações como esta, realizada pelos assentamentos de reforma agrária no RS. Ali, a organização e a articulação dos agricultores familiares, com apoio do MDA, permitiram vencer limitações que se fazem intransponíveis para os agricultores familiares considerados isoladamente.
Portanto, a resposta a essa pergunta é simples: sempre será possível desenvolver uma agricultura alternativa a esta, que depende de apoios externos maciços, que depende de insumos intensivos em capital e que não sobreviveria sem apoio oficial. Bastaria que houvesse disponibilidade de crédito, apoio à pesquisa, apoio à comercialização, para que as vantagens da agricultura limpa se tornassem evidentes para toda a sociedade. A experiência do PAA e da PNAE têm mostrado resultados tão expressivos, no curto prazo, expandindo a oferta de produtos limpos e fortalecendo a agricultura familiar, que deveriam ser levadas em conta, mais seriamente, pelos governos federal, municipais e estaduais.
IHU On-Line – Por que a semente transgênica tem sido uma opção/aposta do governo brasileiro?
Leonardo Melgarejo – É uma aposta de transnacionais, veiculada através das ligações do agronegócio, e não do governo em si. A mudança de governos, neste campo, não trouxe diferenças. FHCLula e Dilma permitiram e permitem que aqueles interesses façam valer seus objetivos. Em outras palavras, a meu ver o governo termina sendo orientado pelo agronegócio, que define sua opção estratégica, e a viabiliza por meio de seus agentes, que operam dentro e fora do governo. Havendo ou não opção político-ideológico do atual governo por esse modelo, a presença significativa de ruralistas no Congresso faz reforçar um jogo de toma lá dá cá que interessa ao modelo predominante de agricultura. Um pequeno grupo de empresas detém as tecnologias, suas patentes e os canais de distribuição de sementes, de agrotóxicos, de máquinas e equipamentos agrícolas. Estas empresas atuam em conjunto e sua força impede que o governo tome decisões independentes no trato de assuntos que lhes diga respeito.
As empresas que controlam o mercado de agrotóxicos controlam também o mercado de sementes, e as sementes transgênicas fazem parte de pacotes tecnológicos que não existiriam sem os agrotóxicos. Talvez as sementes Bt pudessem ser vistas como exceção. Carregando proteínas inseticidas dentro de si, não careceriam da aplicação de inseticidas. Porém, a atual crise da Helicoverpa e o surgimento de novas pragas e de pragas resistentes mostram que a realidade insiste em questionar aquela exceção.
No fundo, acontece algo óbvio: as grandes empresas se articulam para fazer valer seus interesses. Na democracia representativa, é legítimo que façam pressões sobre bancadas, que busquem formar suas próprias bancadas, que influenciem manifestações de formadores de opinião, que pressionem tomadores de decisão colocados em posições-chave, que levem o governo a assumir seus interesses como opções de governo. Não há dúvida quanto ao fato de que é legítimo que busquem alcançar seus interesses. De alguma forma, todos fazem isso.
Mas, neste caso, os interesses da maioria resultam contemplados de maneira insuficiente. Há uma distribuição desigual de capacidade de influência. Há uma disputa desigual e uma distorção na capacidade de acesso a informações. Isso explica desde demissões na Anvisa, por críticas quanto a procedimentos administrativos beneficiando empresas, como ausência de reavaliações de agrotóxicos, como a distribuição no Brasil de produtos proibidos em outros locais do planeta, a ausência de aplicação da rotulagem de produtos transgênicos, o descumprimento e as tendências de flexibilização nas normas que regem avaliações de biossegurança no Brasil, entre tantos exemplos que parecem indicar que a transgenia seria uma opção do governo. Na verdade, o que ocorre é que neste campo as opções de governo parecem contaminadas pelas opções do agronegócio, que por sua vez responde aos interesses de grandes transnacionais. Não creio que se possa falar em uma aposta consciente, de caráter nacionalista, apoiando a transgenia, como sendo a opção racional do governo brasileiro.
IHU On-Line – Quais os impactos do troca-troca de semente transgênica para a agricultura familiar? O que muda na perspectiva da produção familiar?
Leonardo Melgarejo – Trata-se de algo que contraria os interesses da agricultura familiar, pelos argumentos já apresentados. Mesmo aqueles agricultores que acreditam em benefícios de curto prazo se verão confrontados com problemas dentro de poucos anos. A viabilidade da agricultura familiar de pequeno porte será ameaçada. A contaminação das sementes reservadas pelos agricultores para replantio será inevitável. Com isso, os detentores da tecnologia GM poderão cobrar royalties pelo direito de uso daquelas sementes.
Na prática, essa incorporação de sementes transgênicas a um programa de apoio à agricultura familiar compromete este programa, colocando-o a serviço de interesses opostos. Trata-se de inversão onde o Estado passa a patrocinar a fragilização do tecido social no campo, passa a atuar em sentido oposto ao de políticas de desenvolvimento territorial que enfatizam seu objetivo de “desenvolvimento rural, com gente”. O resultado, no médio e longo prazo, é previsível. Trará expansão no tamanho mínimo viável das lavouras, maior exclusão social, aceleração nas tendências de erosão social e ambiental, redução na biodiversidade, contaminação do solo e das águas, expansão no uso de agrotóxicos, emergência de pragas resistentes à proteína Bt e plantas tolerantes a herbicidas, emergência de novas pragas, expansão nos custos de produção e, principalmente, ampliação nos ganhos das multinacionais e na dependência de nossa economia a seus interesses.
IHU On-Line – Como vê a Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica – PNAPO? Quais seus limites diante da expansão da transgenia no país? Como compreender que, por um lado, o Estado brasileiro apoia tais iniciativas, mas, por outro, investe massivamente em agrotóxicos e transgenia?
Leonardo Melgarejo – Trata-se do resultado de demandas da sociedade, articuladas ao amadurecimento de percepções do governo. É bem verdade que também se trata de algo diretamente associado ao perfil deste governo, que se mostra sensível a questões sociais, ainda que fortemente influenciado pelos interesses que as contradizem. Nesse sentido, é evidente que a PNAPO e a expansão das políticas de apoio ao agronegócio surgem como contradições que refletem uma composição ministerial estruturada com vistas a atender um projeto de desenvolvimento e, ao mesmo tempo, a assegurar condições de governabilidade.
De toda maneira, sabe-se que uma ação mais incisiva do governo, em apoio à agroecologia, é pauta antiga da sociedade civil e tem raiz nas inúmeras experiências desenvolvidas há pelo menos três décadas em todas as regiões do país. Na verdade o governo demorou para entender a importância desta demanda. E talvez só a tenha atendido pelo fato de ter sido pressionado a isso, quando o tema foi pautado como prioridade não negociável pela Marcha das Margaridas, da CONTAG. Toda sociedade brasileira deve agradecimentos à ação das mulheres do campo, também por isso. O próprio anúncio oficial de que havia uma intenção no sentido de se criar uma política para estimular a agroecologia e a produção orgânica teve repercussão singular. Permitiu que se evidenciasse o enorme apoio ao tema, em diferentes instituições e organizações, motivando período de intensos debates, na sociedade civil e em vários órgãos de governo – das diferentes administrações. Nesse sentido, a emergência de proposições, as evidências de diversidade de problemas e alternativas, as propostas elaboradas (veja www.agroecologia.org.br), e o processo de mobilização já constituem resultado importante, que fortalece um processo de transição e que terá reflexos de longo prazo, independentemente dos resultados concretos a serem contabilizados neste e no próximo ano.
Plano nacional de agroecologia e produção orgânica
Há muito ainda para se avançar nesse campo e o plano nacional de agroecologia e produção orgânica, que em breve será oficialmente anunciado, traz boas perspectivas para o desenvolvimento brasileiro. Pode ser afirmado, com ênfase, que o avanço é positivo, que um primeiro passo foi dado e que ele aponta um bom caminho. No futuro, ocorrerão ajustes e as próximas versões do plano com certeza proporão ações mais cuidadosamente articuladas, e que serão contempladas com maior destaque pelo orçamento da União. No presente se coloca um grande desafio para a gestão, o monitoramento e a avaliação da política. Para que suas ações possam de fato promover transformações na ponta, o governo deverá estar preparado para garantir espaço de diálogo permanente com a sociedade civil em todas essas etapas. Observando os resultados que emergiram naturalmente, em condições de ausência de políticas de apoio à agroecologia e à produção orgânica, em todo o país, creio que temos motivos fundamentados para uma posição de otimismo, diante da PNAPO.
IHU On-Line – Quais são hoje os transgênicos mais contestados no país?
Leonardo Melgarejo – Creio que os casos mais importantes, em termos de insegurança, no presente, dizem respeito à fragilidade das pesquisas que sustentam as informações de inocuidade para a saúde e o ambiente. O grande problema está na distância entre o que a ciência permite assegurar e o que a tecnologia coloca no mercado. Há um grande vazio entre o pouco que a ciência afirma com segurança e o muito que nos oferecem os produtos que a tecnologia derivada daquela ciência está colocando no mercado. O processo é quase totalmente alimentado no método de tentativas e erros, sendo que é escasso o número de tentativas e, nestas, boa parte dos erros não estão sendo questionados.
São muitos os exemplos. Considere, como ilustração, que boa parte dos agroquímicos utilizados em cobertura, nas lavouras transgênicas, têm efeitos neurológicos e hormonais. Por isso, a CTNBio prevê a necessidade de estudos nutricionais, envolvendo animais em gestação, envolvendo animais na puberdade, na menopausa, na andropausa, estudos envolvendo animais por duas gerações, de forma a cobrir estes riscos e outros associados à redução na fertilidade e ao surgimento de deformações congênitas. Entretanto, estes estudos não foram apresentados para nenhum dos transgênicos cultivados no país. Considere ainda que existe uma relação óbvia entre o genoma e o ambiente, impedindo, por exemplo, que se plante maçã na Amazônia ou cupuaçu na serra gaúcha. Por isso a CTNBio exige que sejam realizados estudos em todos os biomas nacionais. No entanto, até agora isso não foi atendido para nenhum dos transgênicos liberados para plantio comercial no Brasil.
Imprevistos
Considere ainda que, sob condições de estresse, os seres vivos reagem de forma inesperada e que por este motivo as plantas transgênicas podem expressar características imprevistas, sob alterações climáticas, sob condições de estresse biótico e abiótico, enfim, sob condições a serem esperadas no mundo real. No entanto, nos pedidos de liberação comercial todos os estudos são realizados apenas sob condições controladas, de modo que os verdadeiros testes ocorrerão após a autorização de plantio comercial. Isso, que indicaria no mínimo a necessidade de reavaliações periódicas, é considerado irrelevante. Não existe a figura de reavaliação para os produtos transgênicos. Um produto uma vez liberado está liberado para sempre, ou – teoricamente – até que a CTNBio decida em contrário. No entanto, esta alteração nas posições da CTNBio não parece algo que se possa esperar. Considere por exemplo o fato de que, após publicação de estudo afirmando que o milho NK603 causa câncer em ratos, com ou sem a presença do herbicida que lhe é aplicado em cobertura, 14 membros e ex-membros da CTNBio solicitaram atenção ao problema e recomendaram reavaliações daquele produto. Ao mesmo tempo, cinco membros da CTNBio, na atividade, solicitaram reexame da decisão que autorizou seu plantio pela suposição de inexistência de riscos, embora – na ocasião da aprovação – contrariando pareceres dos representantes do Ministério do Meio Ambiente, do Desenvolvimento Agrário, e se não me engano também do Ministério da Saúde.
Mais do que isso, as principais organizações sociais representantes de consumidores e de agricultores familiares, do Brasil, apresentaram a mesma solicitação. A todos estes pedidos a CTNBio disse não. Sua decisão é de que o milho NK603 não merece reavaliação e de que o estudo dos cientistas franceses, que aponta riscos de câncer para os consumidores, deve ser desconsiderado. Os cientistas brasileiros que votaram esta decisão sequer recomendam que o estudo dos cientistas franceses deva ser refeito. Eles não possuem dúvidas, não questionam a possibilidade de evolução nos conhecimentos que embasaram as decisões anteriores e afirmam que aquelas evidências devem ser desconsideradas.
Talvez este deva ser o caso concreto mais alarmante do momento. Mas não é o único. Causa enorme preocupação a perspectiva de plantio de variedades de soja e milho tolerantes ao herbicida 2,4-D, em avaliação pela CTNBio, que certamente serão liberadas para plantio comercial assim que ocorrer a apreciação daquela Comissão. A decisão por maioria de votos são como favas contadas. Causa preocupação o caso do mosquito transgênico, que no momento passa por testes a campo em alguns bairros de cidades do nordeste. São escassas as informações sobre as árvores GM e existem dúvidas sobre a validade das decisões tomadas relativamente aos produtos piramidados (envolvendo vários transgenes). Estas decisões estão se dando com base em estudos majoritariamente realizados com os transgênicos simples, admitindo que dos cruzamentos resultarão apenas efeitos aditivos, como se na natureza a soma das partes não resultasse maior que o todo.
IHU On-Line – O senhor participou de reuniões na CTNBio na última semana. Quais os temas que estiveram em pauta?
Leonardo Melgarejo – Nas últimas reuniões ocorreram várias decisões polêmicas. Por exemplo, discutiu-se o tema do sigilo sobre informações, que não diz respeito às construções genéticas, mas sim à performance agronômica das lavouras transgênicas. Há um entendimento, entre os membros da maioria, de que até mesmo as informações sobre o rendimento das lavouras transgênicas devem ser mantidas em sigilo. Aliás, o entendimento é de que todas as informações obtidas nos ensaios de campo devem ser sigilosas. Há dois anos isso não era assim. De lá para cá, na opinião da minoria crescem as evidências de efeitos colaterais e, ao mesmo tempo, crescem os receios – das empresas – de que ocorra divulgação destes efeitos. Possivelmente, as campanhas de marketing seriam prejudicadas pelas evidências de campo caso isso se tornasse de conhecimento público. Assim, algumas empresas pedem sigilo sobre todos ou quase todos os resultados de boa parte de seus estudos. Alegam que o registro de novas cultivares só será possível na medida em que todas as informações sobre estas cultivares forem sigilosas, desconhecidas, completamente inéditas. Existem casos em que mesmo para estudos sobre produtos transgênicos já liberados comercialmente são apresentados – e aprovados pela maioria –, pedidos de sigilo sobre itens que há poucos anos eram aceitos triviais e sem restrição de acesso. Surpreende que hoje, em plena vigência da lei de transparência, o mesmo tipo de informação receba tratamento tão distinto.
Também foi discutido o tema do monitoramento. Sabe-se que os estudos realizados previamente à liberação comercial são desenvolvidos em canteiros e casas de vegetação, sob condições controladas. Assim, torna-se óbvio que a liberação comercial traz riscos novos, associados ao plantio em larga escala. Nesse sentido, o monitoramento é uma necessidade inequívoca. Pois bem, para que o monitoramento seja eficiente, a minoria entende que devem ser avaliadas hipóteses simples: que tipo de problema pode ocorrer, no plantio em escala? Sob que condições ele seria mais provável? Em que locais ele teria maior chance de ocorrer? Como ele poderia ser percebido? Seria em suas fases iniciais? Quem poderia coletar estas informações e que análises deveriam ser realizadas?
Monitoramento
Basicamente, a minoria pretende que o monitoramento responda a questões simples do tipo: “O quê?” “Onde?” “Como?” “Quando?”. Pretende também que exista uma rede de observadores atenta para estes aspectos. Ora, a maioria entende que as propostas de monitoramento apresentadas pelas empresas, que se limitam a avaliar oscilações na eficácia da tecnologia, bastem. Elas se propõem essencialmente a colocar um serviço de atendimento aos clientes, para coleta – por telefone – de reclamações, a acompanhar eventos técnicos, bibliografia especializada e sistemas de agravo à saúde, entre outras coisas inespecíficas desta mesma natureza. Aliás, eles também propõem aplicação de questionários a um número muito limitado de agricultores, mas não explicitam que perguntas serão feitas, como as respostas serão analisadas, como os agricultores serão selecionados, qual a representatividade da amostra etc.
Para tornar a situação ainda mais complexa, as empresas estão solicitando – e obtendo, com apoio da maioria dos membros da CTNbio – autorização para suspender o monitoramento de transgênicos simples por piramidados que contenham o mesmo transgene. Nesta última reunião foi aprovada a substituição de monitoramento do milho MIR162 pelo monitoramento do milho BT11xMIR162xGA21. Os votos contrários argumentavam que “ao deixar de acompanhar o evento singular perde-se oportunidade de identificar seus impactos específicos. Eventual identificação de problemas associados ao piramidado exigirá estudos posteriores, para isolar a proteína associada aos danos. Isto significa, desde o ponto de vista do MIR 162, que estaremos diante de protelação da identificação de causas, pois os estudos posteriores buscarão informações que seriam disponibilizadas a priori, pelo monitoramento do MIR162. Aceitando a substituição, a CTNBio abre mão de informações relevantes. A protelação da identificação de problemas emergentes pode ter implicações relevantes para produtores e consumidores. A crise da Helicoverpa, com perdas que superam os R$ 2 Bilhões poderia ter sido evitada, se programa de monitoramento eficiente houvesse identificado sua emergência, em período inicial”.
Estes argumentos foram superados – na votação – por outro, que afirmava basicamente o seguinte: o transgene contido no MIR 162 também está contido no piramidado, portanto basta monitorar este último. O fato óbvio de que a identificação de problemas no piramidado exigirá estudos posteriores, implicando adiamento de correções e prejuízos que o monitoramento deveria evitar, foi desprezado.
Há outra agenda sendo trabalhada pelas empresas e que diz respeito à introdução de novas espécies transgênicas no mercado, tais como cana, sorgo, laranja e eucalipto. Atualmente estão sendo criadas regras para testes de campo dessas culturas, que são etapas necessárias à posterior comercialização. Se tomarmos como exemplo soja, milho e algodão, a experiência mostra que esses milhares de experimentos realizados, sobretudo no centro-sul do país, geraram pouquíssimos dados sobre os potenciais impactos dessas plantas modificadas no ambiente e sobre a saúde. Até agora não há indicativo de que o quadro mudará para essas novas espécies. Como preocupação neste caso, temos a expectativa triste de que deverá se repetir a tendência de geração de dados agronômicos de interesse das empresas, mas que oferecem escassa ou mesmo nula utilidade para as análises de biossegurança, que – afinal de contas – correspondem à razão de ser da CTNBio.
IHU On-Line – Como a transgenia está sendo discutida em todo o mundo e como o Brasil se insere nessa discussão?
Leonardo Melgarejo – Existem abordagens contraditórias. De um lado há unanimidade quanto à importância dos avanços científicos e do potencial da engenharia genética para o futuro da humanidade. De outro lado, há uma grande divisão relativamente aos resultados obtidos até o presente momento. Como cerca de 99,9% dos produtos transgênicos cultivados no mundo correspondem a plantas que foram geneticamente modificadas para conseguirem tomar banhos de herbicida, sem morrer, ou para produzir uma proteínas tóxicas, que estarão presentes em todas suas células, a divisão de opiniões se justifica. Ela mostra que as transformações genéticas até aqui disponibilizadas não se associam a ganhos de produtividade, à expansão na capacidade de resistir a estresses hídricos, ou à qualificação no teor de proteínas e vitaminas das plantas cultivadas. Elas simplesmente tratam de ampliar o mercado e potencializar ganhos nas disputas de empresas que controlam os mercados de agroquímicos.
Além disso, há uma grande divisão no mundo, quanto aos riscos potenciais desta tecnologia. Isso porque os avanços científicos que sustentam os produtos da transgenia são mais lentos do que sua dispersão efetiva. Pouco se sabe sobre os riscos. Não há monitoramento, ou pelo menos não existem informações sobre o monitoramento destes produtos, mesmo após quinze anos de liberação comercial em vários locais do planeta. Os estudos que atestam segurança são realizados pelas empresas ou associados às empresas. Os estudos independentes, que apontam problemas, são rejeitados e desqualificados e não são refeitos pelas instituições públicas.
A União Europeia evita o plantio comercial de transgênicos, mas admite sua importação. Faz isso porque os principais exportadores não dispõem de oferta suficiente de grãos não modificados. Por que não possuem? Porque as mesmas empresas que controlam os agrotóxicos controlam as sementes, enquanto as pequenas sementeiras e as sementes alternativas estão desaparecendo do mercado. Além disso, em todo o planeta as sementes controladas pelos agricultores estão sendo contaminadas. A inexistência de circuitos independentes, segregando grãos geneticamente modificados e grãos não geneticamente modificados, torna isso inevitável. Enormes oligopólios e articulações não bem explicadas entre entidades reguladoras e a agilização nas decisões de liberação comercial, somadas a políticas que facilitam a expansão dos transgênicos e restringem as possibilidades alternativas, se encontram na base desta realidade. Isso apenas evidência que, embora tratado como questão técnica, este tema é essencialmente econômico e responde apenas a decisões políticas. A interface técnica é muito limitada, até porque as deficiências da tecnologia e os escassos avanços da ciência o justificam plenamente; na verdade o exigem, desde a perspectiva dos interesses dominantes.
Há ainda outra perspectiva, discutida em escala global. Nesta, o que está em jogo é a vida em si. Considera-se, nessa ótica, que as sementes são patrimônio da humanidade, não podem ser patenteadas porque isso implica admitir que a vida pode ser tratada como uma mercadoria. Também existem outros temas e focos em discussão. Por exemplo, a questão da fragilidade dos processos de avaliação, a necessidade de rotulagem, rastreabilidade e o monitoramento do consumo. Também existem dificuldades de acordo sobre a responsabilidade e a indenização de prejuízos, a mensuração de impactos ambientais e a saúde, entre outros. Como o Brasil se insere nestas questões? De forma subordinada. Um dos argumentos mais recorrentes apresentados pela maioria, na CTNBio, é: este produto já foi liberado nos EUA, ou na Argentina, ou no Canadá, ou em todos eles.
IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?
Leonardo Melgarejo – Quanto ao tema dos OGMs, só posso reafirmar o que a minoria tem dito na CTNBio: as evidências contrariam as expectativas otimistas associadas à expansão dos produtos transgênicos. Mas, mesmo assim, esperamos, no interesse de todos, que a maioria que nada teme, que aqueles que confiam plenamente nesta tecnologia, tenham razão, estejam certos. No interesse da maioria, considerando os mecanismos em operação, será ótimo que nós, a minoria que insiste no Princípio da Precaução, esteja errada. Por isso, nesta disputa e nestas circunstâncias, torcemos por eles, torcemos por nossos oponentes.
Quero acrescentar outra informação. Semana passada estive no VI Seminário Estadual de Agroecologia, que reuniu mais de 2,5 mil pessoas em Pinhalzinho, no Extremo Oeste de SC. Pessoas oriundas de mais de 220 municípios, de diversas regiões de Santa Catarina e de outros estados, viajando por conta própria para discutir agroecologia. Só isso já revelaria a importância do evento, que em sua conclusão reafirma um objetivo comum: “construir e estimular um sistema de agricultura sustentável para toda a coletividade humana, baseado nos princípios da agroecologia”. Não é pouca coisa: encontros sobre transgenia são subsidiados, os participantes recebem diárias e brindes e, principalmente, têm participação restrita.
No Seminário de Santa Catarina, os participantes escreveram um documento conclusivo no qual apontam como fundamental a existência de subsídios públicos para expansão da produção agroecológica, dirigida a agricultores em processo de transição, onde o objetivo seria se afastar de uma produção agroquímica. Eles também denunciaram o emprego da ciência e da política a serviço de interesses privados, que comprometem a biodiversidade no planeta, mencionando que as normas e a prática da CTNBio são vulneráveis aos interesses comerciais, ameaçando a biossegurança e o princípio da precaução.
Finalmente, no tema da inclusão das sementes transgênicas, no programa Troca-Troca, eles afirmam: “Repudiamos o subsídio destinado à aquisição de sementes transgênicas através de programas públicos, como o programa Troca-troca, do governo do estado de Santa Catarina” e pedem “Incorporação das mudas e sementes agroecológicas e crioulas nos programas de troca-troca e distribuição de sementes”. Concordo com os agricultores catarinenses. Percebo que eles estão mais avançados que nós, nesta disputa que é do interesse de todos. De fato, temos muito a aprender com eles.

(Ecodebate, 04/06/2013) publicado pela IHU On-line, parceira estratégica do EcoDebate na socialização da informação.
[IHU On-line é publicada pelo Instituto Humanitas Unisinos - IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]
- See more at: http://www.ecodebate.com.br/2013/06/04/a-transgenia-esta-mudando-para-pior-a-realidade-agricola-brasileira-entrevista-com-leonardo-melgarejo/#sthash.CrI5ZbqW.dpuf

sábado, 1 de junho de 2013

COMUNIDADES E MONOCULTURAS DE ÁRVORES

Brasil: a ameaça da expansão do monocultivo de eucalipto no Nordeste



A chapada do Araripe, por tratar-se de uma região elevada, tem uma importância fundamental na manutenção do microclima local, e na hidrologia da região. Pode-se dizer também que é a fonte da biodiversidade em todo o chamado sertão do Araripe Pernambucano. É nessa região que uma aliança público-privada está empenhada em promover o monocultivo de eucalipto como fonte de energia para a fabricação de gesso. Os órgãos públicos envolvidos são o Instituto Agronômico de Pernambuco (IPA) e a Universidade Federal Rural de Pernambuco, contando com o apoio dos governos estadual e federal. As empresas privadas incluem a Suzano que tem fornecido mudas de eucalipto, além das empresas de gesso da região que afirmam garantir 95% da produção de gesso do Brasil.
Integrantes dessa aliança pública-privada têm afirmado que a plantação de eucalipto em larga escala numa quantidade de até cerca de 300 mil ha seria uma solução “sustentável” para toda a demanda de energia do polo gesseiro da região, em vez do uso predominante atualmente de lenha oriunda da caatinga, além de petróleo. Em apresentações na região com o objetivo de promover essa ideia, pesquisadores têm afirmado também que o eucalipto protegeria o solo, consome relativamente pouca água, e que as “florestas” de eucalipto têm um valor adicional para mitigar as mudanças climáticas. Segundo foi divulgado no Diário Oficial de Pernambuco em setembro de 2011, o governo liberaria 6,4 milhões de reais (cerca de 3 milhões de dólares) para “reflorestamento” de “terras degradadas”.
Em primeiro lugar, é difícil pensar uma solução “sustentável” para manter uma atividade que, na realidade, nada tem de sustentável. Trata-se de cerca de 40 minas de gipsita e 140 indústrias de produção de gesso na região, concentradas nos municípios de Araripina e Trindade. A atividade industrial contribui para a formação de um pó branco – sendo gipsita e gesso lançados na atmosfera -que provoca doenças respiratórias graves nos trabalhadores e afeta negativamente a vegetação nas redondezas. Não há controle ambiental e inexiste um trabalho de recuperação das áreas de mineração. Além disso, se for para plantar 300 mil ha de eucalipto nesses municípios, não teria espaço suficiente mesmo se for plantado eucalipto na área toda, já que estes dois municípios juntos abrange uma área muito menor: 163 mil ha,140 mil ha em Araripina e 23 mil ha Trindade.
Em segundo lugar, o plantio de eucalipto afetaria os pequenos agricultores na região que predominam na população rural e já são fortemente impactados pela atividade de mineração. A expulsão de agricultores também afetaria negativamente a produção de alimentos na região, lembrando que ninguém come eucalipto... Além disso, é bem sabido que essa monocultura é uma das atividades que menos gera emprego no campo, ou seja, não é uma alternativa de renda para a maioria das famílias camponesas. A experiência de outros lugares, já amplamente divulgada em publicações do WRM, também mostram experiências locais de impactos negativos desse monocultivo sobre o solo e a água.
Mas será que o eucalipto poderia significar uma maior proteção da caatinga? Primeiramente, não é verdade que se planta eucalipto em “terras degradadas”. No mundo todo, isso tem se limita ao discurso, enquanto na prática as empresas sempre buscam terras planas e férteis para trabalhar, ou seja, aquelas onde geralmente há comunidades camponesas morando e trabalhando. A experiência no norte de Minas Gerais também mostra que, onde foi plantado para substituir lenha nativa como fonte de energia em processos industriais, o eucalipto não tem conseguido evitar a gradativa destruição do bioma, no caso de Minas Gerais o cerrado. Isso só se resolveria se a pressão do agronegócio de cana, soja, milho, eucalipto, etc., além de outros grandes projetos, como a mineração e a ferrovia Transnordestina na região de Araripina, fosse barrada ou severamente restringida em favor de atividades que de fato beneficiam as populações rurais, como o estimulo à agricultura camponesa.
Alegar que o eucalipto teria um valor adicional para o clima é uma piada de mau gosto. Trata-se de uma absorção temporária de carbono (CO2) nas árvores de eucalipto em crescimento o qual, na hora da queima da lenha, é liberado novamente. O chamado “mercado de carbono” pelo qual “créditos de carbono” (CO2), “contabilizados” nos eucaliptos em crescimento dá às empresas poluidoras o direito de continuar poluindo, não resolve a crise climática - ao contrário, adia as medidas estruturais necessárias, como mudar o padrão de consumo excessivo de energia e a matriz energética baseada nos combustíveis fósseis, para reverter realmente a crise climática. Além disso, é preciso ter em mente que, da mesma forma que o petróleo, a biomassa é uma tecnologia arcaica, baseada no destrutivo processo de combustão em larga escala, que é intrinsecamente emissor de CO2 e poluentes, além de não existir fundamentação científica consistente, para afirmar que, em todo o ciclo produtivo, a energia de biomassa emite menos carbono que o petróleo.
Outra ameaça relacionada à expansão do eucalipto é a introdução da versão transgênica na região. A Suzano, interessada no plantio de eucalipto em Pernambuco, é a empresa mais atuante no Brasil na área de pesquisa com eucalipto transgênico, já tendo comprado recentemente uma das empresas mais reconhecidas na área, a FuturaGene, do Reino Unido, e conseguido autorização para realizar plantios experimentais no Brasil, fazendo um intenso lobby para conseguir autorizar o uso comercial. Os riscos do uso dessa técnica são vários, como o aumento de uso de agrotóxicos e a contaminação genética da fauna nativa; mas só a ciência não confiável da modificação genética já deveria bastar para que as autoridades proibissem o uso dessa tecnologia, mesmo de forma “experimental”.
Por fim, na região de Araripina, repete-se o fato de que ocorre em outras áreas de expansão da monocultura de eucalipto que a população não é consultada sobre se quer ou não o plantio na região. Isso está sendo pensado apenas por um grupo pequeno de instituições de pesquisa, empresários e políticos. No entanto, as populações que vivem ali há gerações deveriam ser as primeiras a opinar sobre qual será o futuro da sua região. Não é aceitável que apenas pesquisadores indiquem áreas que estariam “disponíveis” para eucalipto. O que significa “disponível” para eles? Será que os moradores dessas áreas concordam com a ideia de que seus territórios estão “disponíveis” para esse fim?
É por isso que moradores e organizações da região, a exemplo do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), têm denunciado esse processo e promovido ações, por exemplo, organizando seminários e realizando um abaixo-assinado pelo qual denunciam que dinheiro público que deveria ser destinado para fortalecer a agricultura camponesa é usado para pesquisa em beneficio apenas de empresas privadas. Denunciam também que até os plantios experimentais já realizados deveriam ser proibidos pois são feitos dentro de Área de Proteção Ambiental (APA) da Chapada de Araripe, assim como também deveriam ser proibidos em qualquer área de produção camponesa.

Winnie Overbeek (artigo baseado em visita a campo à região, realizado em maio de 2013)

Referências:
- Diário Oficial do Estado de Pernambuco – 18/09/2011, pg. 2 – “Convênio libera R$ 120 milhões para o Sertão de Araripe”
- Apresentação “O eucalipto como fonte energético no Pólo Gesseiro de Araripe-PE”,