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terça-feira, 30 de outubro de 2012


Ainda o desmonte do IBAMA, os nossos políticos e nós, os eleitores, artigo de Roberta Graf

Publicado em outubro 30, 2012 por 
[EcoDebate] O PT ganhou apertado a prefeitura da capital do Acre ontem, com menos de 1% na diferença dos votos pro segundo colocado, ainda que tenha usado pesada máquina pública e particular de “investimentos” na campanha.
E mais uma má notícia: sexta-feira passada, dia 26/10/2012, saiu o novo edital de concurso público pro IBAMA, com 108 vagas distribuídas em “todo o território nacional necessário ao PAC da Dilma”, ou seja, “Brasília” (93 vagas) e “Rio de Janeiro” (15 vagas). Visivelmente, para licenciar e gerenciar impactos das mega-hidrelétricas e do petróleo do Pré-Sal, entre outros mega-empreendimentos. Também não entrou no edital qualquer tema ligado à conservação e manejo de biomas e espécies, nem de educação ambiental pró-ativa a comunidades e sociedades ambientalmente sustentáveis. Os demais 25 estados do Brasilzão continental não receberam vagas, embora recebam as obras, ou seja, se gastará muito dinheiro público deslocando servidores de Brasília às vistorias e fiscalizações, num órgão excessivamente centralizado e com enormes deficiências de gestão.
O que se quer do IBAMA? O que se espera de qualquer país sério, para o órgão ambiental federal central? Ao meu ver e dos demais estudiosos do tema, uma instituição forte, em todo o país, não só na capital, nem só nas capitais estaduais, mas nos municípios, de forma inteligentemente estratégica, para atender especialmente regiões de altos impactos e conflitos sócio-ambientais, desmatamento, indústrias. E também para atender regiões sensíveis ainda preservadas, os hot-spots, e uma boa amostragem de biomas, ecossistemas, hidrografia e espécies ameaçadas.
Como? Com muito recurso financeiro e muitos servidores, e com boas condições de trabalho. Com os adicionais que há anos clamamos, merecidos e necessários, de qualificação, interiorização, periculosidade, penosidade, insalubridade – não temos nenhum destes até hoje. Servidores com boas condições e valorizados que não quisessem pedir remoção a capitais ou à Brasília, e com políticas de RH condizentes com nossa missão, por exemplo com sistemas de rodízio e adequados concursos de remoção interna. Aqui não só carecemos de uma boa política de RH, carecemos de alguma, pois aqui não há – ou de “gestão de pessoas”, como quiseram apelidar mais bonito, só na teoria.
Qual é o cenário, porém? O exato oposto. Até hoje com uma política agressiva de sucateamento do órgão, bem como da política e gestão ambiental pública como um todo, desde a primeira gestão Lula (mas ele “não sabia de nada”), fecharam nada menos do que 91 escritórios do IBAMA, 44% destes na Região Norte (Amazônia) que necessita tanto de proteção, como se sabe. Os servidores dos municípios em que o IBAMA fechou continuam abandonados à míngua, obrigados a se mudar para as (distantes) capitais, e, se não quiserem ir, ficam ilegalmente trabalhando nas prefeituras (o RH do IBAMA não solucionou nenhum caso até hoje). Somada à cotidiana evasão de pessoas para a Meca-Brasília e outras capitais, bem como à enorme aposentadoria de um contingente já idoso de servidores, daqui a 05 anos teremos cerca de 40 servidores em cada estado, se não houver novos concursos com muitas vagas e boas políticas de RH: fecharão, também, as superintendências do IBAMA em cada estado?
Há péssimos rumores de intenções de se fechar o próprio IBAMA, transformando-o numa agência de quinta grandeza limitada à Brasília. Embora haja enorme oposição a esta terrível ideia, eu não duvido nada, diante da bancada de deputados e senadores que dispomos, e da cada vez mais anti-ambiental e anti-indígena política do PT, que lidera há 10 anos o Governo Federal. Há rumores também que Renan Calheiros, “chateado com a morosidade do IBAMA” em licenciar um mega-estaleiro de gigantes impactos em Alagoas, barrou um PL de criação de novas 1.000 vagas em concurso para o IBAMA e ICMBio.
Assistimos, cada vez mais revoltados, nossos tristes trópicos, nosso país mais mega-biodiverso do mundo, sucumbir às mega-hidrelétricas em regiões preservadas, UHE de Belo Monstro (ops: ato falho), transposição-assassinato do Velho Chico, altíssimo consumo de agrotóxicos e sementes transgênicas, desmatamento e queimadas e pior: assassinato institucionalizado de índios, como se vê nos Guarani-Kaiowá, que há muito já denunciaram suas mazelas e os latifundiários, políticos e juízes que os perseguem no Mato Grosso do Sul, em seguidas comunicações ao governo, ONGs e sociedade em geral, por meio de livros do CIMI, por exemplo, e via direta. Se Dilma não prestar atenção vai ficar marcada como cúmplice-assassina de índios, até pelas hidrelétricas também, que constrói sem cessar em cima de suas terras. Isso tudo é sinal de desenvolvimento?
Aliás nunca se assassinou tanto no campo, visíveis ataques a lideranças rurais ambientalistas, segundo o CPT. Além disso, temos a péssima PEC n. 215 e a Portaria AGU n. 303 de 2012, vergonhosamente inconstitucionais anti-indígenas, e por consequência, anti-ambientais. A TKCSA e outras mega-obras no Rio de Janeiro, segundo denúncias de organizações locais, ameaçam pescadores de morte e trarão degradação ambiental gigantesca. A mineração de urânio da pobre Caetité, na Bahia, vazou de novo 400 kg de material radioativo na semana passada. Princípio da Precaução? Passa longe do nosso governo e empreendedores.
Deputados e senadores destruíram boa parte do Código Florestal, em vergonhosas negociatas para isentar multas milionárias de latifundiários que são, também, deputados, senadores, governadores. E aprovaram a LC n. 140 em 2011 que esfacela o poder do governo federal na gestão ambiental pública, para entregar às pressões bem sucedidas das oligarquias locais. Entre outros golpes, como a redução de áreas de unidades de conservação via medidas provisórias.
Sem falar no desmonte velado dos demais órgãos públicos federais, como foi visto nas greves do meio do ano, de praticamente todas as carreiras federais, em especial das universidades federais, com mais de 03 meses de duração. Educação para o povo? Não, melhor as bolsas-família e “luz para todos” terem sua brilhante TV ditando como se comportar e o que comprar, comprar, comprar.
O autor do desmonte do Código Florestal habilmente deslocou-se para o ministério que ficará mais rico nos próximos anos, para cuidar da Copa do Mundo e das Olimpíadas. Pão e circo para o povo, desvio de montanhas de dinheiro publico como sempre, e mais várias mega-obras, como o estádio de Pernambuco que está motivando um enorme desmatamento de suas últimas ilhas de Mata Atlântica.
Neste cenário, como clamar que o IBAMA e ICMBio, órgãos siameses que nunca deviam ter sido separados pela ex-ministra e ex-seringueira (que não deu nenhum real para as reservas extrativistas em seus sete anos de gestão), tenham recursos financeiros, servidores valorizados, condições de trabalho, estrutura, planejamento, seriedade? Ora, deixa pra lá, “empurra com a barriga e deixa o abacaxi para os netos” como já disse um pesquisador do aquecimento global. Depois não vão reclamar dos “desastres ambientais”, secas, enchentes, cânceres, doenças cardíacas e pulmonares, stress e depressão, etc. Não vão reclamar do lixo, dos resíduos tóxicos, do esgoto, do êxodo rural, das cidades esfumaçadas e entupidas de carros novos de IPI reduzido e “proprietários endividados”. Aguentem.
Eleitores, no geral, nos tristes trópicos colonizados, estamos ainda muito longe da consciência política, consciência cidadã e consciência ecológica. No país campeão mundial da corrupção e do consumo de agrotóxicos, mas também o mais mega-biodiverso do planeta, estamos matando a natureza e, com ela, a saúde humana e as futuras gerações.
Roberta Graf, doutora em Gestão e Política Ambiental, servidora do IBAMA/Acre, membra das diretorias das Asibamas Nacional e local (as Asibamas são entidades de classe dos servidores do IBAMA, ICMBio, MMA e SFB).
EcoDebate, 30/10/2012

terça-feira, 23 de outubro de 2012


Enfim semana passada  a nova lei florestal pode ter chegado ao seu capítulo final (será?). A lei 12.561/12 foi modificada pela lei n° 12.727/12 e de quebra Dilma editou o Decreto n° 7.830/12 que regulamenta o CAR (Cadastro Ambiental Rural) e o PRA ( Programa de Regularização Ambiental), o que não significa que o programa e o cadastro já estejam valendo. Ainda tem que ser implementados.
 
Interessante este artigo do advogado Raul do Valle que faz uma radiografia do que pode vir a acontecer, principalmente de colocar na prática a nova lei. E para os analistas e fiscais ambientais, preparem-se: a coisa não será nada fácil.
 

O novo Código e o remendo florestal, artigo de Raul do Valle

“O Código Florestal tem um lado moderno, que prevê a criação de um sistema georreferenciado de cadastramento de imóveis rurais para monitorar, por satélite, a derrubada de florestas, mas tem também um lado arcaico, agarrado às raízes latifundiárias do Estado brasileiro, e que infelizmente suplanta, em muito, seu aspecto inovador”. O comentário é de Raul do Valle, advogado, coordenador de Política e Direito Socioambiental do ISA em artigo no portal do ISA, 19-10-2012.
O assessor do ISA destaca ainda que “uma das características mais marcantes da nova regra é sua complexidade e dificuldade para compreendê-la, o que, consequentemente, se transformará em dificuldade na hora de implementá-la. A lei anterior, com todos os problemas que generalizações podem trazer, pelo menos era pão-pão, queijo-queijo”.
Eis o artigo.
Agora é lei, e tem inclusive número: 12.651/12, com alterações feitas pela Lei 12.727/12. Após três anos de intensa mobilização, que começou com a criação de uma comissão especial na Câmara dos Deputados, em 2009, e a nomeação do deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP) como relator, o agronegócio brasileiro finalmente tem uma lei florestal para chamar de sua.
Feita a sua imagem e semelhança, ela é cheia de contradições. Tem um lado moderno, que prevê a criação de um sistema georreferenciado de cadastramento de imóveis rurais para monitorar, por satélite, a derrubada de florestas. Mas tem também um lado arcaico, agarrado às raízes latifundiárias do Estado brasileiro, e que infelizmente suplanta, em muito, seu aspecto inovador. E é com esse lado que a sociedade brasileira terá de lidar daqui para frente.
Com a nova lei, agora temos dois padrões de cidadãos: os que respeitaram as regras até então vigentes (Código Florestal antigo) e os que não respeitaram. Os primeiros, independente do tamanho do imóvel, terão de manter 50 metros de florestas ao redor de nascentes (só as perenes, que têm água o ano inteiro, pois as demais ficaram sem proteção), 30 metros ao largo dos pequenos rios, respeitar as florestas dos topos de morro e encostas. Os outros não precisarão ter florestas em topos de morro e encostas, terão só 15 metros ao redor de nascentes e, dependendo do tamanho do imóvel, poderão nem ter mata ciliar ao largo dos pequenos rios (veja tabela). Para os primeiros não há qualquer compensaçãoconcreta que lhes premie por haver cumprido a lei. Para os demais não há qualquer incentivo concreto que lhes convença a ter uma árvore a mais do que o mínimo (bem mínimo) exigido em lei.
Uma das características mais marcantes da nova regra é sua complexidade e dificuldade para compreendê-la, o que, consequentemente, se transformará em dificuldade na hora de implementá-la. A lei anterior, com todos os problemas que generalizações podem trazer, pelo menos era pão-pão, queijo-queijo. Todo mundo tinha que ter mata ciliar do mesmo tamanho se estivesse na beira do mesmo rio. Todo mundo tinha que ter reserva legal, e por aí vai. Agora depende. Depende do que? Do tamanho do imóvel e, se houver desmatamento de áreas protegidas (Área de Preservação Permanente e reserva legal), de quando ele ocorreu.
Um pequeno proprietário que tinha todo seu imóvel desmatado antes de 2008 terá que recuperar muito pouco da vegetação original, mesmo aquela que há décadas era protegida por lei. Um médio proprietário na mesma situação terá que recuperar bem mais, mas mesmo assim bem menos do que na legislação anterior. Se o desmatamento ocorreu após 2008, no entanto, a situação será completamente diferente para ambos. Se parte do desmatamento foi antes e parte depois de 2008, a situação será outra ainda. Difícil imaginar como o proprietário rural, que acreditou que a lei feita por seus representantes traria “clareza” e “segurança jurídica”, vai entender essa confusão.
Tudo isso vai gerar um enorme problema de monitoramento. Primeiro porque não temos imagens de satélite, com a resolução necessária e cobertura para o país inteiro, para saber o que estava ou não desmatado em 2008. Portanto, é bastante possível que desmatamentos feitos após essa data acabem entrando no “pacotão”. Segundo, porque as imagens de satélites hoje utilizadas para monitorar o desmatamento em todo o país não têm a resolução adequada para verificar a restauração de 5 ou 8 metros de mata ciliar, como determina a lei para muitos casos. Para que isso seja possível, será necessário adquirir imagens de alta resolução, muito mais caras do que as atualmente disponíveis.
Com todas essas questões, demorará muitos anos até que sejamos capazes novamente de fazer análises da situação do desmatamento ilegal em determinado município ou bacia hidrográfica, por exemplo. Até há pouco tempo era possível, com imagens de satélite, identificar que pontos de determinado rio devem ser obrigatoriamente restaurados, por terem menos mata ciliar do que a lei mandava. Agora isso só poderá ocorrer quando todos os proprietários lindeiros desse rio tiverem cadastrado seus imóveis e assinado seus termos de compromisso de regularização. Não haverá mais análises no atacado, mas apenas no varejo, pois cada caso será um caso.
Os grandes prejudicados com a nova legislação serão os que vivem nas regiões mais drasticamente desmatadas do país. Sim, porque apesar da Confederação Nacional da Agricultura (CNA) viver martelando que o país tem mais de 50% de vegetação nativa preservada, ela se concentra sobretudo na Amazônia. Em determinadas bacias hidrográficas de São Paulo, a locomotiva do país, não há nem 5% de floresta em pé. Está faltando lenha, está faltando água. E justamente aí é onde haverá a menor restauração, pois a ocupação agropecuária é antiga e os imóveis, em sua grande maioria, são pequenos ou médios.
Mas mesmo na Amazônia o impacto será grande. Primeiro porque muitas das regras de proteção à floresta que ainda resiste ao avanço das pastagens foram flexibilizadas. Em mais de 90 municípios a reserva legal cairá de 80% para 50%. Todos os imensos igapós e várzeas (mais de 400 mil km2, ou um estado de São Paulo) deixaram de ser considerados Áreas de Preservação permanente e, assim, poderão ser derrubados. Todas as nascentes intermitentes, abundantes nas áreas de transição com o Cerrado, poderão ser desmatadas. Mas não é só isso. A anistia concedida ao desmatamento do Cerrado (49% da área total, concentrada no Sudeste e Centro-Oeste) e da Mata Atlântica (76% da área total) será seguramente um estímulo aos que gostariam de avançar um pouco além do que a nova lei permite. “Se eles puderam, por que eu não poderei?”
E assim abrimos um novo capítulo na história de nossa combalida política florestal. Com um novo marco legal que já nasce remendado, e traz como princípio a submissão da proteção de nossos biomas à “presença do País nos mercados nacional e internacional de alimentos e bioenergia” (art.1o – A, parágrafo único, inciso II), temos que seguir adiante e ver no que vai dar.
Parte dos estragos produzidos pela lei poderá ser amenizada em sua regulamentação. Por exemplo, será necessário evitar que grandes e médios proprietários cadastrem suas propriedades de forma fragmentada para ganhar o direito a uma “anistiazinha adicional”. Outra parte poderia ser resolvida com um conjunto coerente e robusto de incentivos econômicos que, por um lado, premiassem os que historicamente conservaram suas florestas e, por outro, estimulassem os proprietários a restaurar para além do mínimo estabelecido na nova lei. Não há, no entanto, nenhum sinal do Governo Federal de que esteja pensando seriamente em algo assim.
Resta saber qual o papel que será exercido pelos setores representativos do agronegócio. Se vão apostar em aprofundar as flexibilizações na regulamentação e empurrar a implementação da lei com a barriga, pra ver se liquidam a fatura daqui a alguns anos, ou se finalmente, agora que têm uma lei por eles elaborada, vão querer implementá-la. Essa é a incógnita que se desvendará a partir de agora.
(Ecodebate, 22/10/2012) publicado pela IHU On-line, parceira estratégica do EcoDebate na socialização da informação.
[IHU On-line é publicada pelo Instituto Humanitas Unisinos - IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]