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quarta-feira, 31 de julho de 2013

Argumentos técnicos não faltam para se justificar todo o nosso arcabouço legal com fins de proteção ao meio ambiente, incluindo-se aí, o licenciamento ambiental.

Processo inúmeras vezes burocrático ? Sim, mas o que neste país não o é ! O que não significa dizer que não podemos transformar isso (as instituições, diga-se de passagem). Mas a  nossa cultura  ainda se fundamenta no fato de que, licenciamento só vale quando o banco cobra, senão o financiamento ou empréstimo não sai, ou se o vizinho te incomoda, então você denuncia. Mas claro, exceções confirmam a regra.

Usina hidrelétrica de Mauá, no Paraná, licença prévia para obra foi contestada por ambientalistas e pelo Ministério Público. Foto: PAC - Governo Federal

Um comentário nas redes sociais referente às manifestações das semanas passadas me fez pensar na confusão que ainda predomina na opinião pública sobre os temas ambientais. O comentário, ao invés de coincidir com um dos motivos centrais dos reclamos populares, ou seja, a corrupção e a incompetência como causas do atraso e da má qualidade dos serviços públicos prefere achacar a responsabilidade ambiental e, claro, ao IBAMA, ao INCRA e à FUNAI... Ele diz:

“Não dá para falar em INFRAESTRUTURA sem falar nos ENTRAVES AMBIENTAIS, que encarecem e retardam as obras vitais do país, tão necessárias para baratear o CUSTO BRASIL!”“E não dá para falar em ENTRAVES AMBIENTAIS sem falar no tridente formado pelos IBAMA, INCRA e FUNAI, os esteios do ATRASO NACIONAL!”

O comentário parece repetir a falácia, tão usada por políticos e por empresários, para justificar os atrasos das obras públicas. Uma falácia que, lamentavelmente, já cala fundo na opinião pública.

Licenciamento não é entrave


"(...) durante demasiado tempo a sociedade desconsiderou os aspetos ambientais. E, por isso agora sofremos os impactos acumulados que põem em xeque a nossa própria sobrevivência."

A realidade é bem diferente. De uma parte os temas ambientais podem, sim, ser considerados como estorvo. Mas, na verdade são apenas parte de uma realidade com a qual o desenvolvimento tem que conviver. A temática ambiental no contexto da infraestrutura não é diferente do que esta enfrenta com relação à topografia ou a drenagem e ao clima. É apenas um fator a ser considerado com muito cuidado durante a construção para não sofrer, tarde demais, as consequências. Não se pode fazer tetos planos onde chove muito, nem se pode edificar em uma área pantanosa sem antes drená-la. E, queiram ou não os que promovem desconsiderar o ambiente, também, existem circunstâncias em que este inviabiliza completamente uma obra. 

Ocorre, é verdade, que durante demasiado tempo a sociedade desconsiderou os aspetos ambientais. E, por isso agora sofremos os impactos acumulados que põem em xeque a nossa própria sobrevivência. Sem falar de mudança climática ou de outras catástrofes globais, basta se lembrar dos danos ocasionados pela indústria em Cubatão, as milhares de vítimas de deslizamentos no Rio de Janeiro e as centenas de milhares de afetados pelas secas no nordeste. Por isso mesmo é que, na atualidade, todos os países estão começando a levar a sério o tema ambiental, especialmente no momento de construir nova infraestrutura de desenvolvimento. É um complicador e é um custo adicional. Porém, o custo de não considerá-lo é muito maior para a sociedade no seu conjunto. 

Barato sai caro


"A maioria das empresas ainda despreza o tema ambiental e assume que o licenciamento é apenas um ritual."

Dito isso, que não é nada novo, mas, que foi esquecido pelo comentarista, convém analisar outros aspectos da questão. Em primeiro lugar é preciso reconhecer que é verdade que o licenciamento ambiental leva, em geral, muito mais tempo do que é necessário. Há situações que se alastram por muitos meses e por anos, e licenciamentos específicos podem alongar obras complexas já licenciadas que dependem deles, ocasionando perdas milionárias. Por que isso ocorre? A resposta não é simples já que as responsabilidades são compartilhadas entre os que solicitam a licença, ou seja, as empresas- e as autoridades ambientais, assim como pelo Estado no seu conjunto. 

A maioria das empresas ainda despreza o tema ambiental e assume que o licenciamento é apenas um ritual. Então, no lugar de levar a coisa a sério, os empresários contratam consultoras de baixo custo ou, pior, aquelas que dizem ser recordistas em aprovação rápida. Na verdade, as empresas contratam o licenciamento, não a avaliação de impacto ambiental. Muitas vezes as empresas nem sequer olham os estudos pelos quais pagam. Só querem saber da licença. As consultorias, por sua vez, procuram gastar o mínimo possível, limitando o trabalho de campo e contratando “especialistas” sem experiência. Finalmente, as avaliações que se apresentam às autoridades são incompletas e de má qualidade. E é aí que começam os problemas. 

Os funcionários descobrem as deficiências dos estudos e solicitam uma série de ajustes. A empresa solicita à consultoria que atenda as observações. No entanto, esta não pode resolvê-las porque faltou informação adequada. E assim começa uma série de idas e vindas que culminam com pressões políticas, ameaças e tentativas - e solicitações - de suborno. Tudo isso, em geral, termina com uma “aprovação por cansaço” que inclui uma infinidade de condições que, obviamente, a empresa só cumpre tarde, mal ou nunca. Outro cenário, no caso de projetos ambientalmente inviáveis, é que os que os propugnam, sejam empresas ou o próprio governo, jamais aceitam um “não” por resposta, como realmente deveriam. Pode levar anos, mas, esse tipo de projetos é como a ave Fênix, sempre renasce das cinzas, basta apenas uma mudança de autoridades.

Necessidade não impede eficiência


"Para as empresas é causa de grandes dores de cabeça obter licenciamento de uma autoridade apenas para descobrir que outra pode reclamar, reiniciar o processo e/ou fazer custosas demandas adicionais."

Do outro lado da equação está a limitada capacidade institucional das autoridades ambientais de todo nível, inclusive do IBAMA. É um fato que estudos de impacto ambiental de projetos complexos como usinas hidroelétricas ou térmicas, portos ou estaleiros, mineração de grande escala ou exploração de petróleo e gás, frequentemente caem nas mãos de técnicos que, pela especialidade, não têm a menor noção do que é isso ou que não têm a necessária experiência para analisá-los. Os concursos públicos, que têm muitos méritos, ainda guardam o defeito de não levar em conta a profissão daqueles aprovados. Assim, são denunciados casos de dentistas opinando sobre mineração em cavernas e de professores de educação física opinando sobre construção de termoelétricas. Eles até podem perceber que algo está errado, porém carecem de capacidade para precisar as demandas. Às vezes, para se justificar inventam problemas que não existem e fazem exigências caprichosas. 

Muitas vezes projetos simples, como a inevitável duplicação de uma estrada ou de uma via de contorno em zonas peri-urbanas, geram uma absurda demanda de condições “ambientais”, as mesmas que, contraditoriamente, não são requeridas para fazer uma estrada que atravessará uma floresta intacta. A falta de competência dos funcionários, em geral jovens e mal pagos, provoca que pressionados, de um lado pela opinião pública e o ministério público e, do outro, pelas empresas e os seus próprios chefes, não decidam nada, renunciem ou, pior, que cedam aos mais fortes. De fato, existe uma alta rotatividade de funcionários nas áreas de licenciamento e, às vezes, isso promove uma seleção negativa. Só ficam no serviço os ambientalistas radicais - os chamados xiitas - ou os corruptos. Poderia ser diferente se as instituições ambientais dispusessem de equipes professionais polivalentes e competentes devidamente respaldadas pelas chefias e que pudessem contratar consultores de alta qualidade para apoiar as análises dos casos mais difíceis e importantes.

Além disso, existem outros problemas. Dentre eles há uma proliferação de dispositivos legais ambientais nacionais, estaduais e municipais confusos ou pouco realistas e, assim mesmo, uma inacreditável falta de claridade sobre as competências dos três níveis de governo. Para as empresas é causa de grandes dores de cabeça obter licenciamento de uma autoridade apenas para descobrir que outra pode reclamar, reiniciar o processo e/ou fazer custosas demandas adicionais. Essas demandas muitas vezes não têm nada a ver com o empreendimento, como quando a autoridade solicita “apoio” para adquirir veículos e equipamentos para a instituição. Alguns estados cobram muito mais do que outros e do que a lei federal dispõe a titulo de compensação ambiental. Requerimentos de licenciamento para uns projetos não são pedidos para outros mesmo que sejam idênticos, dependendo do estado onde se localizam ou das autoridades de momento. As diferenças nas regulações e procedimentos ambientais em cada estado não ajudam.

Um aspecto importante refere-se à atuação de alguns membros do Ministério Público que, na percepção das empresas, estão se imiscuindo no processo de licenciamento e, às vezes, se erigindo em juiz, interpretando a legislação de forma sui generis. Em qualquer momento e, muitas vezes, quando a licença já foi formalmente outorgada, podem intervir e fazer exigências novas ou complementares que, em geral, apenas respondem a queixas de partes interessadas, sem maior base ou assessoramento técnico. Isso cria uma grande instabilidade e inseguridade no processo de licenciamento. O Ministério Público amedronta os funcionários encarregados do licenciamento, pois, no lugar de processar o órgão licenciador por decisões que no seu juízo são erradas, usualmente processa os funcionários como pessoas físicas. O fato obviamente enfraquece ainda mais um sistema licenciador que já é fraco per se. A atuação do Ministério Público na área ambiental é fundamental e já contribuiu para evitar muitos problemas graves. Não obstante, como no caso de outros atores, deve se assessorar de especialistas qualificados para avaliar as denúncias.

Ou seja, o atraso nacional não tem nada a ver com o ambiente, nem com os indígenas, nem com a lentidão do INCRA para definir, de uma vez por todas, a situação da tenência da terra. É evidente que nenhuma destas três instituições funciona bem. Não obstante, o problema está, principalmente, com os promotores das obras que ainda não compreenderam que o futuro do país depende em dar à problemática ambiental o mesmo nível da educação, saúde ou segurança pública; tudo o que ademais está intimamente interligado. Eles, muitas vezes, só querem ganhar mais dinheiro mais rapidamente já que as consequências das suas ações não serão pagas por eles, mas pela sociedade. Propugnam e aplaudem uma solução “fácil”, já assumida pelo governo passado e pelo atual e que consiste em fixar prazos brevíssimos para a emissão de licenças ambientais. Isso é um absurdo já que, se bem que alguns casos possam ser resolvidos rapidamente, na maior parte das vezes se requer mais tempo. Cada caso é um caso.

Os empresários deveriam, ao contrário, apoiar o verdadeiro fortalecimento das unidades de licenciamento ambiental, exigindo a mais alta qualidade dos funcionários encarregados de julgar os estudos. Ainda mais, deveriam por à disposição das autoridades ambientais um fundo para o pagamento de consultores especializados nos casos mais difíceis. E, principalmente, os empresários devem ser sérios quanto aos estudos de impacto ambiental e, eles mesmos, contratar as melhores empresas de consultoria nacional ou internacional. Também devem aprender que um não é um não, quando as evidências dos prejuízos ambientais ou sociais ficam demonstradas e superam o socialmente aceitável. Finalmente, devem esquecer a prática da tentação e do suborno do mesmo modo que não devem ter piedade com os maus funcionários que exigem propinas. Assim, o país progredirá.