Alheio aos riscos econômicos e ambientais, Brasil quer retomar extração de terras-raras
Publicado em junho 25, 2013 por HC
País abandonou exploração dos metais de terras-raras na década de 90, mas, com o salto no preço da matéria-prima, quer brigar com a China por uma fatia do mercado. Extração, porém, implica riscos econômicos e ambientais.
O Brasil quer entrar num mercado arriscado. Depois de abandonar a produção dos metais de terras-raras em meados da década de 90, o governo viu os preços dispararem no mercado mundial e voltou a investir no setor.
Esses metais estão associados à indústria de alta tecnologia, comumente usados na produção de tecnologias mais verdes, como catalisadores e peças para turbinas eólicas. Paradoxalmente, sua extração pode gerar material radioativo e tem sido alvo de protestos de ambientalistas pelo mundo. Além disso, boa parte dos depósitos do Brasil está em áreas de preservação e reservas indígenas.
O mercado mundial das terras-raras é dominado pela China, responsável por cerca de 95% de toda a produção e que dita as regras do setor. Nos últimos anos, os preços da matéria-prima chegaram a quintuplicar, e a incerteza de continuidade no abastecimento ameaça pequenas e médias empresas no campo de tecnologias verdes.
O Brasil chegou a explorar terras-raras na metade da década de 90, mas deixou de produzir quando a China começou a fornecer com uma melhor relação custo-benefício. Agora, o governo brasileiro quer avançar nesse mercado.
A exploração de terras-raras é tão específica que ficou fora do Marco da Mineração, lançado pelo Palácio do Planalto esta semana, e deve ser regulamentada por lei própria. Há menos de um mês foram anunciados investimentos de 11 milhões de reais em quatro anos para a exploração de terras-raras. O valor inclui o mapeamento das jazidas, os estudos de viabilidade da exploração e a capacitação de técnicos. E esse valor ainda pode aumentar.
Brasil tem potencial para abastecer todo o mercado mundial de terras-raras
Além disso, o Senado montou uma subcomissão temporária da Comissão de Ciência, Tecnologia e Inovação para discutir o tema e quer criar regras claras para o novo negócio. O relator do grupo, senador Luiz Henrique da Silveira, disse que o mercado de terras-raras pode movimentar até 20 bilhões de euros em 30 anos.
Esses elementos químicos muito específicos são usados na composição metálica de catalisadores, lâmpadas de alto desempenho, chips de computadores e smartphones ou mesmo nos motores de carros elétricos. São minerais de nomes complicados, que na tabela atômica vão do número 57 ao 71, como latânio, cério, praseodímio, promécio e európio, por exemplo. A denominação terras-raras também pode confundir: os 17 elementos desse grupo são até bem frequentes no mundo, mas estão dispersos em pequenas quantidades entre outros materiais, o que torna a sua exploração complicada.
Sob florestas e em áreas demarcadas
O geólogo José Affonso Brod, da Universidade de Brasília (UnB), afirma que o Brasil tem recursos suficientes para suprir todo o mercado mundial, mantido o atual nível de consumo, por mais de 50 anos. Segundo ele, só no depósito de Catalão, em Goiás, estão mais de 6,5 milhões de toneladas de óxidos de terras-raras.
Um relatório da Agência Alemã de Recursos Minerais (Dera) cita ainda a região de Pitinga, no coração da Floresta Amazônica, como outra área com potencial para a exploração de terras-raras. Por lá, estanho, chumbo, nióbio e tântalo já são extraídos de uma mina de exploração aberta. Levantamentos geoquímicos também serão feitos este ano em Seis Lagos – uma reserva florestal em São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas – e em Repartimento, uma região de igarapé no município de Mucajaí, em Roraima.
Boa parte das reservas minerais está sob áreas de preservação ou terras indígenas
O Serviço Geológico do Brasil (CPRM) participa da identificação e do mapeamento dos recursos e sabe que as potenciais jazidas estão em áreas demarcadas ou de preservação. Num seminário para discutir o tema na Câmara dos Deputados, o chefe do Departamento de Recursos Minerais do CPRM, Francisco Valdir Silveira, citou a falta de mão-de-obra especializada e o acesso como um obstáculo. “Muitas dessas áreas se encontram em reservas indígenas, reservas e parques florestais onde não há nenhum respaldo legal para a entrada dos técnicos”, declarou, ressaltando que o foco do projeto é mesmo a região amazônica.
O Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) tem o assunto na sua pauta de estratégias. “Para nós, a mais importante delas diz respeito aos ímãs de terras-raras, por sua utilização em vários setores industriais”, ratificou o secretário de Desenvolvimento Tecnológico e de Inovação do MCTI, Álvaro Prata, no anúncio dos estudos de levantamento.
Risco de contaminação
Mas os perigos da exploração são apontados pelo Centro de Tecnologia Mineral (CTM), outro setor do mesmo ministério. O diretor do centro, Fernando Lins, alertou publicamente para o risco de contaminação química e radioativa das minas. O geólogo José Affonso Brod explica que esse é um problema global. “É uma das razões pelas quais várias operações de produção de terras-raras foram abandonadas ao longo do tempo em favor da importação da China”, esclarece.
Ele conta ainda que, no mundo todo, tentativas de retomada da produção em antigas jazidas ou a abertura de novas minas para a produção de terras-raras são contestadas por movimentos ambientais.
O aspecto positivo, ao menos na situação da mina brasileira de Catalão, é que o potencial radioativo é menor, como explica Brod. Segundo ele, o principal mineral que contém as terras-raras é a monazita, um fosfato de tório e terras-raras. “A monazita desta jazida tem um conteúdo de tório substancialmente menor do que outras ocorrências mundiais”, compara.
O geólogo Claudinei Gouveia de Oliveira, também da UnB, ressalta que o país tem várias ocorrências de grande potencial que não têm nenhuma vinculação com minerais radioativos. Mas existem também no Brasil, como em outras partes do mundo, depósitos de terras-raras associados ao urânio ou tório.
Países deixaram o trabalho sujo com a China e sem demanda interna, Brasil só exportaria commodities
Apesar do atenuante, existem riscos, e por isso a mineração deve ser regulamentada do início ao fim. Oliveira alerta que é inconcebível, mas existem situações, não necessariamente relacionadas a terras-raras, em que a exploração acontece sem que se tenha um conhecimento aprofundado das características dos minérios.
“Muitas vezes uma empresa tem a autorização para explorar uma determinada commodity, e o que vai para a barraca de rejeitos é desconhecido e lá estão aspectos contaminantes ou radioativos”, alerta. Segundo ele, até pouco tempo, na exploração dos carbonatitos da área de Catalão, as terras-raras iam parar no lixo. “Essa mudança de consciência começou a ocorrer mais recentemente, com a reserva de mercado da China e o aumento de preços.”
Mercado é pequeno
Mas o Brasil não é o único de olho no mercado. Dados do Instituto Federal de Geociências e Recursos Naturais da Alemanha indicam ao menos 400 iniciativas em 36 países. O mercado pode não ter lugar para todos. “O problema é que este mercado é muito pequeno. São pouco mais de 130 mil toneladas por ano”, diz Brod. Ele alerta que, se um ou dois países se apresentarem antes como fornecedores, o preço tende a cair.
Além disso, o mercado brasileiro não é um grande consumidor de terras-raras. Oliveira sugere que esse mercado seja ampliado antes dos investimentos na lavra. O senador Luiz Henrique da Silveira fala em parcerias com a Alemanha para desenvolver a indústria especializada e diz que já existem acordos assinados nesse sentido.
O governo também quer agregar valor aos óxidos. Sem isso, a exploração de terras-raras apenas reforçaria a posição brasileira como um país exportador de commodities minerais. “O caminho para o Brasil ocupar uma posição de destaque neste setor é a verticalização, ou seja, aliar a exploração das jazidas de terras-raras com o estabelecimento de uma cadeia produtiva local que agregue valor a esse produto”, resume Brod.
Matéria de Ivana Ebel, da Agência Deutsche Welle, DW, publicada pelo EcoDebate, 25/06/2013
Nenhum comentário:
Postar um comentário